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Perseguição a carro e intimidação armada engrossam cerco contra comunidades tradicionais na Bahia, diz associação

Ataque a quilombolas no último domingo (6) se soma à lista crescente de violências em região de expansão do agronegócio

Imagem propriedade da Brasil de Direitos

Rafael Ciscati

5 min

Comunidades fazem uso tradicional e coletivo do território para sua subsistência, com práticas de pastoreio comunitário, coleta de frutos nativos, ervas medicinais, preservação da vegetação do Cerrado e proteção das nascentes. Fecho Entre Morros - Imagens cedidas pela comunidade

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com informações da AATR

Episódios de intimidação, perseguição judicial e o bloqueio de estradas por seguranças armados: entidades que atuam na defesa de populações tradicionais relatam o recrudescimento dos conflitos por terra no oeste baiano. A região é uma das frentes de expansão da fronteira agrícola, em especial do cultivo da soja. Conforme as lavouras avançam, as disputas por terra opõem fazendeiros a grupos que usam o território de forma comunal há gerações. 

O caso mais recente de violência foi registrado no último domingo (6), quando o carro de uma liderança do quilombo Fortaleza, em Bom Jesus da Lapa (BA), capotou depois de ser perseguido por um fazendeiro. O homem sobreviveu ao acidente. 

A liderança, que não quis se identificar, contou à Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), que conversava com outros representantes do quilombo em um estabelecimento comercial da cidade quando o grupo foi abordado por um homem que disse ter terras nas imediações. 

O desconhecido chamou os quilombolas de ladrões, e disse que estava disposto a “matar ou morrer”, para manter a posse da sua fazenda. Intimidados, os quilombolas contam ter se retirado, mas foram perseguidos na estrada. Foi quando aconteceu o acidente. 

A liderança agredida registrou um Boletim de Ocorrência e, machucada, buscou atendimento médico. 

De acordo com a AATR, que acompanha o caso, a comunidade quilombola Fortaleza sofre ameaças constantes desde 2017, quando passou a reivindicar a titulação das terras do quilombo.

Situação parecida se repete nas comunidades tradicionais de Fecho de Pasto de Entre Morros, Morrinhos e Gado Bravo. Os fecheiros vêm sendo impedidos de acessar os fechos (os pastos usados de forma comunal) para retirar o gado, em razão da presença de equipes de segurança privada que fazem rondas armadas, promovendo intimidações, ameaças e o bloqueio das estradas de acesso.

Carro de trabalho da vítima está inutilizado após perseguição que resultou em acidente- Imagens cedidas pela comunidade

Carro de trabalho da vítima está inutilizado após perseguição que resultou em acidente- Imagens cedidas pela comunidade

Prisão de lideranças

Ainda no final de maio deste ano, sete organizações que defendem comunidades tradicionais — entre elas, a AATR e a Comissão Pastoral da Terra — divulgaram nota criticando a prisão de duas lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) que viviam na comunidade de fecho de pasto de Brejo Verde, na cidade de Correntina (BA).

Solange Moreira Barreto e Silva e Vanderlei Moreira e Silva foram presos enquanto passavam férias no Rio de Janeiro. Segundo as entidades, na ocasião das prisões, seus advogados não foram informados sobre quais acusações pesavam contra as lideranças.  Hoje, segundo informações da AATR, a denúncia oferecida pelo Ministério Público fala em roubo, porte ilegal de armas e organização criminosa. Ambos permanecem presos, à espera de decisão do Tribunal de Justiça da Bahia. 

“Todas essas pessoas são reconhecidas historicamente na região pelo compromisso com a defesa dos territórios tradicionais, das águas, dos direitos humanos e da vida. Trata-se de uma prisão política e de criminalização das comunidades que lutam contra a grilagem de terras e expropriação dos territórios na região oeste da Bahia”, disseram as entidades em nota.

 O oeste da Bahia concentra conflitos territoriais desde os anos 1970.  A área é parte de uma porção do cerrado que se convencionou chamar de Matopiba. O acrônimo reúne as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e designa  uma área por onde avança a fronteira agrícola brasileira. 

A expansão do agronegócio encontra, pelo caminho, povos e populações tradicionais que usam a terra coletivamente. Caso de indígenas, quilombolas e comunidades de fundo e fecho de pasto — cujos direitos territoriais, em teoria, deveriam ser protegidos pelo Estado brasileiro. A maioria dessas comunidades não detêm o título de posse coletiva sobre as terras que ocupam há gerações, o que as torna alvo fácil de grileiros: criminosos que forjam títulos de posse para se apropriar de terras públicas. 

Em 2024, de acordo com o relatório Conflitos no Campo, da Comissão Pastoral da Terra, a Bahia foi o terceiro estado que mais registrou episódios de violência fundiária em todo o país. Foram 135 episódios registrados. Ficou atrás do Maranhão (363 casos) e do Pará (234).

Na avaliação da AATR, o acirramento das violências neste ano pode ser reflexo de uma gama de fatores: de um lado, o Estado demora a titular os territórios quilombolas, o que vulnerabiliza as comunidades. De outro, os proprietários do sudoeste da Bahia parecem ter avançado na sua capacidade de organização conjunta. No Sul da Bahia, ganha espaço um movimento chamado “invasão zero”: ” E isso parece ter ecoado em outras regiões do estado”, diz Rebeca Bastos, da AATR.

 

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