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COP: o que é, para que serve e como funciona a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas

Com a COP 30 se aproximando, Brasil de Direitos apresenta um guia sobre como funciona a diplomacia do clima

Bárbara Diamante *

Imagem propriedade da Brasil de Direitos

Rafael Ciscati

13 min

COP - o que é e como funciona a conferência sobre mudanças climáticas

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Quando chefes de Estado de 198 países se reuniram no Rio de Janeiro para participar da Cúpula da Terra, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em junho de 1992,  crise climática era uma expressão que não figurava no debate público. Nos jornais de então, se dizia que o objetivo do encontro era debater ecologia e como controlar a emissão de  gases de efeito estufa.

A Rio 92, como o encontro ficou conhecido, foi o primeiro grande evento internacional dedicado a clima e meio ambiente. Inaugurou um campo que, hoje, recebe o nome de “multilateralismo climático”. Ele é guiado pela ideia de que desafios globais – como o aumento das temperaturas médias do planeta – só podem ser resolvidos com diálogo e com a colaboração de todo o mundo. 

Foi seguindo esse espírito que os chefes de Estado presentes à Rio 92 assinaram um tratado de nome longuíssimo: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, mais conhecido pela sigla em inglês UNFCCC. 

No documento, os países signatários (também chamados de “partes” do acordo) concordam que as ações humanas alteraram o clima do planeta para pior, e que é preciso controlar o volume de gases estufa na atmosfera de modo a evitar danos maiores. Para garantir que esse objetivo seja alcançado, o tratado criou um órgão responsável por tomar decisões e assegurar que elas sejam implementadas: a Conferência das Partes (COP). Nele, todos os países que assinaram o UNFCCC (grandes ou pequenos, ricos ou pobres) têm voto. O órgão se reúne anualmente, sempre em um país diferente. 

Mais de três décadas se passaram. “Crise climática” virou expressão inescapável,o aquecimento do planeta acelerou (2024 foi considerado o ano mais quente da história até aqui) e o interesse pelo que se discute na COP extravasou os círculo de ambientalistas e diplomatas para capturar a atenção de milhões de pessoas pelo mundo. 

Ao longo de 30 anos, a Conferência realizou encontros marcantes para os direitos socioambientais. Um dos mais significativos foi o de 2015, quando os líderes reunidos em Paris assinaram um acordo se comprometendo a limitar o aquecimento da Terra a 1,5 ºC em relação ao período pré-industrial (spoiler: essa marca já foi alcançada no ano passado, e teme-se que as temperaturas apenas subam a partir daqui).

Em 2025, o Brasil sediará a COP 30 em Belém (PA). Pela primeira vez, o encontro acontecerá na Amazônia, a maior floresta tropical do planeta. A COP de Belém também marca o retorno da conferência a um país democrático, depois de três anos em que o encontro aconteceu sob ditaduras. 

A essa altura, você já deve ter lido e visto muita notícia explicando o que é a COP e por que ela importa. Mas, já parou para pensar em como acontecem as negociações durante a Conferência? Abaixo, Brasil de Direitos preparou um pequeno guia para enteder a diplomacia do clima

Para que servem as COP? 

Imagem propriedade da Brasil de Direitos

A essa altura, você já entendeu que as COP têm uma espécie de dupla identidade. Quem fala em COP pode estar se referindo ao órgão diretivo da UNFCC: a estrutura que toma as decisões necessárias à implementação do acordo assinado por 198 países em 1992. 

Para negociar qual cara essas decisões vão assumir, os líderes de Estado dos países signatários se encontram anualmente. Por isso, quem fala em COP pode estar se referindo, também, ao evento durante o qual diplomatas e ambientalistas se reúnem para definir os rumos da política climática.

Débora Sotto, mestre em Direito Internacional do Meio Ambiente pela Universidade de Limoges e pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), conta que a pauta das COPs é bastante extensa e o debate é organizado em torno de dois pilares: 

 

  • Mitigação: formas de diminuir as emissões de gases de efeito estufa para conter o aquecimento global. 
  • Adaptação: transformações – na infraestrutura das cidades, por exemplo – para que as pessoas possam conviver com as alterações climáticas que já ocorreram. O objetivo é minimizar perdas, tanto ambientais quanto socioeconômicas.

 

Pedro Jacobi, professor sênior do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Revista Ambiente e Sociedade, destaca que as COPs, historicamente, deram mais peso às medidas de mitigação. Mais recentemente, devido à intensificação de eventos climáticos extremos, o olhar às medidas de adaptação climática se tornou mais atento. Essa mudança de chave é especialmente importante para os países em desenvolvimento e para as nações insulares: aqueles que já sofrem, em maior intensidade, os efeitos da crise do clima. 

 

Como as decisões são tomadas?

As decisões são tomadas por consenso e demandam negociação constante. É por isso que a COP se reúne uma vez por ano”, explica Sotto. A escolha do local em que acontecem as reuniões é rotativa e, também, decidida por consenso. Isso acontece para garantir maior diversidade geográfica e participação mais democrática.

Miriam Garcia, especialista em política climática do WRI, lembra que, na diplomacia, consenso não é o mesmo que “unanimidade”: são feitas concessões. “Aceitar uma decisão não significa que todas as parts estão completamente de acordo com ela”. 

Todos os países devem planejar medidas de mitigação e de adaptação, porém, “a responsabilidade de cada país varia de acordo com a sua contribuição histórica”. Quanto mais poluentes determinado território emitiu ao longo do tempo, mais ele deve implementar medidas para reduzir os danos. A isso, os negociadores do clima dão o nome de princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas (RCMD). 

Outro critério para determinar como a nação será responsabilizada é o nível de desenvolvimento. Os países mais desenvolvidos são chamados para contribuir mais significativamente uma vez que, de modo geral, são os que mais emitem gases de efeito estufa. Existe uma cobrança para que eles ajudem a financiar medidas de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento, os que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas. “É uma forma de estabelecer justiça climática”, diz Sotto.

A conferência dura duas semanas. Todas as negociações acontecem nesse período?

Não. As duas semanas da COP são o ápice de um processo de negociação que se desenrola ao longo de todo o ano. Nesse momento, são tomadas as principais decisões políticas. “Mas, logo que uma COP termina, já começam as discussões para a COP seguinte”, conta Carolina Alves, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). 

Ela explica que, ao longo do ano, a sociedade civil organizada se mobiliza para apresentar propostas e demandas aos governos de seus respectivos países. E, no mês de junho de cada ano, acontece um encontro técnico na cidade de Bonn, na Alemanha, apelidado de “pré-COP”. “É o primeiro momento de negociação formal entre as partes”, conta. A expectativa, nesses encontros, é avançar na formulação de textos-base que terminam de ser negociados na COP. “Mas, mesmo antes de Bonn, as partes se reúnem para dialogar em mais de um momento”. 

Os encontros pré-COP são importantes sobretudo se considerada a complexidade dos temas em discussão. “Cada avanço é fruto de muitas horas de debates. É algo que leva bastante tempo e seria impossível construir diálogos tão extensos somente nas COPs”, diz Débora Sotto, do IEA-USP.

Plenária de abertura da pré-Cop em Bonn, na Alemanha (Foto: UNFCCC)

Plenária de abertura da pré-Cop em Bonn, na Alemanha (Foto: UNFCCC)

Quais as panelinhas da COP?

Na COP, todo país signatário da UNFCCC tem direito a voto, e cada voto tem o mesmo peso. Mas as partes não atuam isoladamente: elas costumam se organizar em grupos que compartilham interesses econômicos, ou que se reúnem de acordo com sua proximidade geográfica. 

Já em 1992, a ONU dividiu os países signatários da UNFCCC em três grupos:

Países do anexo 1 – São os países desenvolvidos, incluindo os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

Países do anexo 2: são os países da OCDE, que também fazem parte do anexo 1

Países não-anexo: são os países em desenvolvimento. 

Essas divisões, criadas nos anos 1990, se baseavam na ideia de que todos os países contribuíram para a crise do clima, mas em escalas distintas. Historicamente, os países desenvolvidos, do Anexo I, foram os maiores emissores de gases estufa. A divisão em anexos orientou decisões tomadas, por exemplo, para a elaboração do Protocolo de Quioto. Esse tratado, assinado pelos membros da UNFCCC em 2012, estabeleceu metas de redução de emissões para os países do Anexo I. A lógica mudou um pouco no processo de elaboração do Acordo de Paris, quando todos os países, desenvolvidos ou não, apresentaram compromissos para redução de emissões. 

Além dos anexos, os países se organizam em coalizões, de modo a negociar em bloco. Há países que participam de mais de um bloco. Caso do Brasil, que é membro das seguintes coalizões:

G77 mais China: engloba 136 países em desenvolvimento e a China, e defende os interesses do Sul global.

Grupo Sur: reunião de Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Equador.

Grupo Basic: reúne países em desenvolvimento que são também grandes emissores de gases de efeito estufa. Caso do Brasil, China, África do Sul e Índia.

 

Zona verde e zona azul: como é dividido o espaço da conferência

Representantes governamentais, cientistas, ambientalistas, empresários, povos tradicionais e ativistas se encontram anualmente nas COP. Cada participante tem um papel na discussão e, a depender da sua atuação no evento, pode acessar diferentes áreas: a Zona Azul ou a Zona Verde. 

O que é a Zona Azul? 

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A Zona Azul é destinada às negociações, enquanto a Zona Verde é liberada para o público geral que se inscreveu. (Imagem: site oficial da COP29).

A Zona Azul, ou Blue Zone, é o espaço em que acontecem as negociações oficiais. Por conta disso, ela é mais restrita e reúne somente aqueles que são credenciados pela ONU. Participam desse grupo as autoridades, como diplomatas e ministros do meio ambiente.
Ambientalistas, pessoas da sociedade civil de instituições reconhecidas pela ONU e membros da imprensa podem entrar, mas somente na condição de observadores – podem participar da discussão, mas não têm direito a voto. “O processo está muito centralizado nas instâncias de governo, o que silencia as vozes locais”, critica Sotto, do IEA-USP. 

A Zona Azul é destinada às negociações, enquanto a Zona Verde é liberada para o público geral que se inscreveu. (Imagem: site oficial da COP29).

 

E a Zona Verde (ou Green Zone)?

É a área aberta ao público geral. Além dos credenciados da Zona Azul, pessoas da sociedade civil como um todo, povos tradicionais e o setor privado podem acessar essa parte. Nesse espaço acontecem os eventos não oficiais, como workshops, exposições e mesas redondas. É um local que facilita o debate entre os diferentes atores do desenvolvimento sustentável.

A cada ano, as Zonas Azul e Verde são configuradas de uma forma diferente, que varia de acordo com o espaço disponível da sede. (Imagem: site oficial da COP30).

A cada ano, as Zonas Azul e Verde são configuradas de uma forma diferente, que varia de acordo com o espaço disponível da sede. (Imagem: site oficial da COP30).

A cada ano, as Zonas Azul e Verde são configuradas de uma forma diferente, que varia de acordo com o espaço disponível da sede. (Imagem: site oficial da COP30).

Existe algum mecanismo para saber se os países estão seguindo o combinado? 

Cada país participa de forma voluntária e o descumprimento de metas e acordos não implica em sanções. “O que existe – ou deveria existir – é uma ética entre os países”, explica Jacobi. A ideia é que os participantes respeitem o tratado, não por imposição, mas porque as metas são importantes para o futuro do planeta.

Ainda que não existam imposições, há meios de acompanhar o progresso. No Acordo de Paris foram criadas as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Elas são compromissos de cada país em relação a redução de emissões e são atualizadas a cada cinco anos. Após esse tempo, essas propostas são agrupadas em um relatório que recebe o nome de Balanço Global e indica quais medidas foram funcionais e quais devem ser aperfeiçoadas.

Não existem penalizações para aqueles que descumprem as metas, mas há um controle financeiro. “Existem os Bancos de Desenvolvimento, que financiam projetos, com taxas menores que as convencionais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (IADB) e o Banco dos Brics. O acesso a essas linhas têm sido condicionado ao cumprimento dos compromissos climáticos.”, diz Sotto. Ou seja, quem cumpre as metas, consegue acessar esses recursos com maior facilidade.

 

O que a escolha de Belém como a sede da COP30 representa?

É a primeira vez, desde a Cúpula da Terra, que a Conferência acontece em território brasileiro. Sediar a COP na Amazônia, para Pedro Jacobi, da USP, representa uma oportunidade de, além de dialogar sobre questões ambientais em âmbito mundial, oferecer maior visibilidade aos temas específicos relacionados à biodiversidade do Brasil. Uma das possíveis questões é o PL 2.159/2021, conhecido como PL da devastação. O projeto simplifica a concessão de licenças ambientais para empreendimentos e, por isso, pode levar o poder público a autorizar obras danosas para ecossistemas e pessoas.

Para Jacobi, o país viveu quatro anos de “comportamento anti democrático, anti sustentável e anti social” que prejudicaram muitos avanços que o país poderia ter tido. “Ainda temos forte presença no congresso de representantes na sociedade que querem flexibilizar o licenciamento ambiental. Tudo isso tem a ver com os interesses econômicos, principalmente do agronegócio”, afirma.

Sotto, do IEA-USP, complementa afirmando que a COP em Belém “é uma chance de reassumir a liderança climática internacional, depois dos retrocessos experimentados na política ambiental como um todo”. A Conferência representa, também, uma oportunidade de oferecer espaço de fala às comunidades locais que são mais impactadas pela crise climática.

 

 

Para saber mais

O clima na mesa de negociações – esse material, do Instituto Talanoa, explica como funcionam as coalizões de países durante a COP. 

Como as COPs são organizadas: um guia da UNFCCC com perguntas e respostas sobre a conferência

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