Inclusão digital é direito da pessoa idosa para exercício da cidadania
Sem acesso à web, é impossível nos educarmos sobre as questões de nossos dias, para exercer nosso poder de barganha como cidadãos livres
Instituto Bonina
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Foto de topo: Reprodução TV Brasil
por Maria Aparecida Ferreira de Mello
Ser agente de transformações sociais requer primeiramente ter acesso às informações que representam o contexto socio-histórico no qual o indíviduo ou grupo social está inserido. Na era atual de interação das diversas sociedades, a globalização, a forma de acesso a essas informações é o meio digital. A Tecnologia da Informação e de Comunicação (TIC) tem se tornado onipresente em nossa vida diária como resultado de nossa tendência em usar a Internet e os aparelhos móveis, tais como os smartphones e tablets, que permitem o acesso a informações e serviços a qualquer tempo, em qualquer lugar graças a sua portabilidade.
Os 35 Estados Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovaram a Convenção Interamericana sobre Proteção dos Direitos Humanos do Idoso, onde se menciona de forma específica o acesso à TIC a esta população. Nos termos da Convenção, os Estados Partes comprometem-se a “promover a educação e formação do idoso no uso das novas tecnologias da informação e das comunicações (TICs) para minimizar a brecha digital, geracional e geográfica e aumentar a integração social e comunitária” e “promover o acesso do idoso aos novos sistemas e tecnologias da informação e das comunicações, inclusive a Internet, e que estas sejam acessíveis ao menor custo possível” (OEA, 2015).
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As TICs também têm sido consideradas como instrumentos de desenvolvimento econômico e inclusão social para a Sociedade da Informação na América Latina e no Caribe (eLAC), a qual aprovou na última década um plano de ação de longo prazo para toda a região, disseminando o conceito de “TIC para o desenvolvimento”.
Especificamente no Brasil, o Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741/2003, no Capítulo V define os direitos dos idosos “…à educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade”. Encontra-se no Art. 21 a seguinte afirmação “o poder público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias, e material didático aos programas educacionais a ele destinados por meio de “cursos especiais para idosos” que incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna”. (BRASIL, 2003).
Privar os cidadãos ao acesso às TICs, é excluí-los ou dificultar seu acesso a direitos fundamentais, na medida que não terão como efetivar seus direitos da mesma forma que aqueles que estão incluídos digitalmente. Apesar de sua capilaridade e reconhecida importância, a distribuição das novas tecnologias digitais nunca foi homogênea. Ao contrário, tem reproduzido um padrão de desigualdade, alcançando antes regiões de capitalismo mais avançado e classes econômicas mais elevadas em todo o mundo.
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Usar o meio digital, as tecnologias de informação e comunicação (TICs), como ferramenta de inclusão e participação social, vai além de saber usar os dispositivos, os indivíduos devem desenvolver uma compreensão dos novos meios que lhes permitam apropriar-se desses recursos para “reinventar seus usos e não se constituir como meros consumidores” (MORI, 2011, p. 40).
Silveira (2008) utiliza o conceito de “inclusão digital autônoma”, compreendendo que tanto o conhecimento dos indivíduos como a infraestrutura, alvo da lógica de competição de mercado, são indissociáveis da ideia de autonomia esperada. Também discute a dificuldade de abarcar em “inclusão-exclusão digital” a ideia de um desenvolvimento social que supere o mero acesso físico aos computadores e à conectividade.
Outro conceito que emerge é o de letramento digital, cuja origem é o campo da Educação, no qual letramento significa mais do que ser alfabetizado e abarca a capacidade de aplicar o conhecimento em um contexto (Silva, 2005). Em relação às TICs, essa abordagem supõe que um indivíduo letrado digitalmente vá além da destreza no uso de ferramentas do ambiente digital, tornando-se capaz de fazer uso social das habilidades em TIC em seu cotidiano, numa ação consciente diante das suas necessidades; associa a inclusão digital à solução de problemas sociais, aposta no poder das tecnologias como catalisadoras de mudanças e busca tornar sinônimas inclusão digital e inclusão social. A inclusão digital ou apropriação de tecnologias deve ser compreendida como garantia de direitos, a defesa de direitos políticos e sociais, pois por meio do uso das TICs criou-se um novo espaço de poder.,
Um dos aspectos fundamentais decorrente dessa discussão diz respeito ao que é entendido como inclusão digital (acesso, alfabetização digital ou apropriação das tecnologias), e qual seu objetivo (desenvolvimento econômico, solução de problemas sociais ou garantia de direitos), para que a população usufrua de uma condição mínima que a torne apta a se desenvolver num cenário social .
A universalização pressupõe que um dado bem ou serviço é direito de todos, e, como tal, deve ser garantido pelo Estado a toda a população; já a focalização presume que o referido bem ou serviço concerne a uma capacidade de todos, sendo necessário provê-lo apenas aos que não podem obtê-lo por seus próprios meios. No caso das TICs, o dilema questiona se o acesso e uso das tecnologias digitais é um direito de todos a ser provido pelo Estado ou se, em vez disso, constitui uma responsabilidade individual, sendo necessária uma ação positiva estatal apenas para dar suporte aos que não utilizam e não têm acesso.
Os documentos fundantes da defesa da liberdade de expressão, no plano internacional, definem a construção desta como um direito civil, de proteção ao indivíduo. Conforme abordado no artigo 19° da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (NAÇÕES UNIDAS, 1948). Complementarmente, o artigo 13º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em vigor desde 1978, afirma que:
Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. […] Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles sociais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969)
A comunicação é entendida como um direito que ultrapassa o campo dos direitos civis, avançando em termos de direitos políticos e sociais, ao considerar a participação política e os direitos culturais. Portanto as tecnologias digitais não são apenas os meios para alcançá-los, mas o próprio objeto de disputa.
A defesa do direito à comunicação, fundada na liberdade de expressão e sendo as TICs como meios para o exercício desse direito, supõe a igualdade de status, nos termos de Marshall (1967), num contexto de desigualdade de poder – um blogueiro independente fazendo denúncias, por exemplo, expressa o uso pleno dessa liberdade. Já a expansão do debate para questionar as formas de apropriação das tecnologias digitais (TICs) e a sua capacidade de manuseio pelos sujeitos, conforme defendem alguns autores, problematiza a estrutura social estabelecida, dialogando com os direitos sociais e seguindo para além deles – se considerarmos que os direitos sociais na história não têm como objetivo alterar a estrutura social.
O letramento digital representa, no século XXI, o que o paradigma da Educação representou no início do século XX, uma vez que desenvolve as habilidades necessárias para lidar com a revolução tecnológica e enfrenta os dilemas inerentes deste paradigma. Warschauer (2006) entende que enquanto o letramento escolar (educação) foi pré-requisito para a participação dos indivíduos nos primeiros estágios do capitalismo, o acesso às TICs é condição para participar do estágio informacional globalizado em que estamos atualmente que impõe por si novos meios e padrões ao exercício da liberdade de expressão, marco dos direitos civis.
Portanto, o reconhecimento do letramento digital como um direito social, implica em que ele seja assegurado via política pública. Entretanto, é necessário primeiramente, o estabelecimento de quais habilidades e práticas sociais são necessárias para se considerar um sujeito como letrado digital. Tais requisitos devem apontar para cidadãos usuários das TICs e conscientes do papel e do poder que possuem na sociedade. Recomenda-se romper com a dicotomia existente entre letramento escolar e letramento digital, e avançar na direção de uma perspectiva integradora, que envolva a interação de habilidades e conhecimentos, negando a concepção normativa de letramento, sem respeito às realidades individuais e locais.
A inclusão digital para exercício da cidadania
O reconhecimento do letramento digital ao status de direito na esfera política-econômica, com atores heterogêneos e com interesses diversos, requer profunda reflexão para a definição dos níveis de conhecimento que se desejará alcançar entre os indivíduos e seus grupos sociais. Desenvolver competências nos uso das TICs, significa desenvolver a capacidade de manusear e integrar informações de diferentes níveis e formatos no ambiente digital, para que se transformem em informações úteis para responder a necessidades de cada indivíduo, intencionalmente, além da capacidade de avaliar informações e situações a que está submetido no uso das TICs, e de compreender padrões de funcionamento que lhe permitam se desenvolver autonomamente neste ambiente. Dessa forma, o cidadão incluído digitalmente deve saber fazer uso adequado da linguagem em relação ao meio, de maneira a se expressar dentro das normas esperadas na atividade executada, elaborando sua mensagem com diferentes elementos de linguagem, não apenas textual, se necessário, e com consciência da veracidade e segurança da informação e da situação. O uso TICs deve fazer sentido em contexto, em situações que reproduzam problemas do dia a dia em diferentes espaços sociais. Dessa maneira, distanciam-se de habilidades como apenas destreza se aproximando de habilidades para solução de problemas.
O aprendizado da informática, uso da internet, aplicativos e mídias sociais pelas pessoas idosas é imperioso. A inclusão digital é uma dimensão da cidadania. A informatização das instituições bancárias, de cuidados à saúde, previdenciárias, comerciais entre outras, tem inibido as pessoas mais idosas no dia a dia, obrigando-as a sempre necessitar de ajuda para cuidar de seus interesses pessoais.
A rede mundial de computadores tornou-se a maior e melhor forma de comunicação, fornecendo ao idoso a chance de estar conectado com a família e amigos, além de possibilitar a chance de pesquisas sobre todo tipo de assunto que for do seu interesse.
Quando a pessoa idosa aprende e tem segurança em usar a tecnologia, no caso o telefone celular, ainda que básico, ela se torna mais independente, além de adquirir novos conhecimentos, que a auxiliará na manutenção de sua saúde mental, criando novas conexões cerebrais (plasticidade cerebral/neuronal) e novas formas de pensar.
Tendo conhecimento e segurança no uso do smartphone a pessoa idosa administra melhor sua vida, tem mais oportunidade de participar de conversas com as gerações mais novas ou criar novos laços de amizade em diferentes círculos (grupos) independentemente da distância. Dessa forma melhora a autoestima, a autoconfiança, o sentimento de pertencimento e de mais-valia.
A relação entre direitos políticos e econômicos e a inclusão digital das pessoas idosas é estreita nos dias atuais. A inclusão digital é um meio fundamental para garantir o acesso equitativo a informações, serviços e oportunidades, o que impacta diretamente tanto nos direitos políticos quanto nos econômicos dos cidadãos, incluindo os idosos.
No contexto político, a inclusão digital permite que os cidadãos tenham acesso a informações sobre políticas públicas, possam participar de debates e discussões online, se informem sobre candidatos e eleições, e até mesmo exerçam seu direito ao voto de forma mais informada e consciente. Já no âmbito econômico, a inclusão digital pode abrir portas para oportunidades de educação online, busca de emprego, empreendedorismo, acesso a serviços financeiros e até mesmo compras e vendas online, contribuindo para a autonomia financeira e a melhoria das condições econômicas dos cidadãos. Dessa forma, a inclusão digital desempenha um papel crucial na promoção e garantia dos direitos políticos e econômicos das pessoas, incluindo os idosos, ao possibilitar o acesso a recursos e informações essenciais para o exercício pleno da cidadania e participação na sociedade, embora gestores públicos podem não ter pleno conhecimento dos benefícios e impactos positivos dessa inclusão, o que tem resultado em falta de incentivo para programas e políticas nesse sentido.
Sem acesso à web, é impossível nos educarmos sobre as questões de nossos dias, para exercer nosso poder de barganha como cidadãos livres entre o capital, para nos engajarmos em um mundo de oportunidades. Sem ser alfabetizados em seu uso, não podemos construir com ele, não podemos explorá-lo verdadeiramente, não podemos nos proteger contra seu bando de enganos que poriam em risco nossa segurança política, social e financeira.
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Referências
Brasil. Estatuto do idoso: lei federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004.
Marshall, T.H. 1967. Cidadania, classe social e status. Tradução de Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar.
Mori, Cristina Kiomi. 2011. Políticas públicas para inclusão digital no Brasil: aspectos institucionais e efetividade em iniciativas federais de disseminação de telecentros no período 2000-2010. 351 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, Brasília
OEA (Organizacion de los Estados Americanos) (1969), Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, Disponível em https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/normativa_internacional/Sistema_Interamericano/SR.pdf
OEA (Organizacion de los Estados Americanos) (2015), “Convencion Interamericana sobre la Proteccion de los Derechos Humanos de las Personas Mayores” [en linea] Disponível em: http://www.oas.org/es/sla/ddi/tratados_
Silva, Michel Carvalho. As tecnologias de comunicação na memória dos idosos. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 126, p. 379-389, maio/ago. 2016
Silva, Helena et al. 2005. A inclusão digital e educação para a competência informacional: uma questão de ética e cidadania. Por Helena Silva, Othon Jambeiro, Jussara Lima e Marco Antônio Brandão Ciência da Informação, Brasília, v. 34, n. 1, p. 28-36, jan./abr. Disponível em: Último acesso em: 23 Mar. 2013.
Silveira VEIRA, Sérgio Amadeu. 2008. A noção de exclusão digital diante das exigências de uma cibercidadania. In: HETKOWSKI, Tânia M. (Org.). Políticas públicas e inclusão digital. Salvador: EDUFBA. p. 20-41
Warschauer, Mark (2006). Tecnologia e inclusão social: a exclusão digital em debate. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 206. 214 p.
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