Na COP 27, Brasil precisa discutir a destruição do Cerrado e de seus povos
Entre 2020 e 2021, área de Cerrado desmatada cresceu 20%. Os aquíferos sob o cerrado abastecem as principais bacias hidrográficas do país. Sem cerrado, não há agua nem há vida
AATR
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Foto: Incêndio no Cerrado, na região de Alto Paraíso de Goiás. Com a expansão da agropecuária a partir dos anos 1970, quase metade da vegetação do bioma desapareceu (foto:Agência Brasil)
Entre os dias 6 e 18 de novembro de 2022 acontece a COP 27 – a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU). O evento será sediado em Sharm el-Sheikh, no Egito, e contará com a presença do presidente recém-eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A deputada federal e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (REDE), também integrará a comitiva brasileira com Lula.
Durante o evento, serão debatidos temas como a implementação do Acordo de Paris, cujo principal objetivo é reduzir a emissão de gases de efeito estufa; o impacto climático sobre a economia dos países, metas de redução do aquecimento global e cooperação – inclusive financeira – entre os países para que essas metas sejam atingidas.
Após a derrota de Bolsonaro nas urnas no último domingo (30), a expectativa é de que o Brasil volte a protagonizar e incidir sobre os debates relacionados à agenda climática global – foco do evento das Nações Unidas –, e a reconstruir a política externa sobre meio ambiente desarticulada nos últimos quatro anos pelo atual presidente.
Em agosto de 2022, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, formada por mais de 50 organizações, movimentos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais, dirigiu ao então candidato à presidência da república, Lula, uma carta pública que alerta para o cenário de devastação e morte que assola o Cerrado e seus povos.
O documento destaca, dentre outros pontos, o veredito da Sessão em Defesa dos Territórios do Cerrado do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), proferido em julho de 2022, que reconhece o fato de estarmos diante do ecocídio do Cerrado e do genocídio de seus povos. Na ocasião, a tribuna de opinião condenou o estado brasileiro, estados estrangeiros e empresas por estes crimes.
Outro dado alarmante apresentado na carta é o aumento do índice de desmatamento na região, que em 2020 e 2021, durante a gestão bolsonarista, sofreu “o incremento de 20% a mais de área desmatada, conforme dados do MapBiomas, especialmente na região conhecida como Matopiba” – informação que não pode ser negligenciada em qualquer tipo de fórum sobre a agenda climática global.
O lema da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado é “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”. Trata-se de uma síntese do que a articulação vislumbra para um futuro próximo, caso não haja uma mudança de rumo nas políticas públicas relacionadas à demarcação e titulação dos territórios indígenas e tradicionais, à política ambiental e do uso das águas, e mesmo da política econômica fortemente dependente da produção de commodities, com o sacrifício da savana mais biodiversa do planeta.
Confira, abaixo, a carta dirigida ao presidente Lula:
Prezado Lula,
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, integrada por 56 organizações e movimentos sociais, comunidades indígenas, quilombolas e povos tradicionais, deseja lhe dirigir algumas palavras neste momento tão crucial para o país e suas gerações futuras. Sabemos que a missão de reconstrução a ser liderada pelo próximo presidente será imensa diante do legado nefasto deixado por este governo genocida.
Desde 2016, quando foi instituída nossa Campanha, temos denunciado o aumento da violência no campo, da grilagem de terras, do desmatamento desenfreado, do uso abusivo e contaminação das águas, especialmente pelos setores do agronegócio e mineração.
O Cerrado, berço das águas que sustenta doze bacias hidrográficas que figuram entre as principais do país, agoniza com o avanço da fronteira agrícola e a conversão anual de milhares de quilômetros quadrados de vegetação nativa em pasto ou plantações de soja e outros grãos voltados para o mercado externo. Em apenas 50 anos, metade da sua cobertura original foi destruída, em velocidade e dimensão ainda maiores que a Mata Atlântica e Amazônia, como demonstram os dados do INPE/PRODES.
Este processo, embora tenha raízes estruturais e históricas em escolhas que foram feitas por empresas e governantes no passado, aumentou significativamente durante o governo Jair Bolsonaro – somente entre 2020 e 2021 houve incremento de 20% a mais de área desmatada, conforme dados do MapBiomas, especialmente na região conhecida como Matopiba.
Entre os dias 08 e 10 de julho de 2022, a Campanha realizou a Audiência Final do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado (49ª Sessão), no qual foram denunciados 15 casos de violações de direitos de comunidades indígenas e camponesas, incluindo as que foram atingidas pelos crimes ambientais resultantes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. O júri do TPP reconheceu o crime de Ecocídio contra o Cerrado, praticado por empresas nacionais e estrangeiras, com o apoio e incentivo histórico do Estado Brasileiro.
Estamos ainda na alvorada do século XXI e a nossa convicção é que precisamos mudar o paradigma de desenvolvimento herdado do período da Ditadura Empresarial-Militar, que sempre excluiu a maioria do povo brasileiro das benesses econômicas resultantes da exploração sem precedentes dos bens da natureza tão abundantes em nosso país.
O lema da nossa Campanha é “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.
Esta é a síntese do que vislumbramos para um futuro próximo, caso não haja uma mudança de rumo nas políticas públicas relacionadas à demarcação e titulação dos territórios indígenas e tradicionais, à política ambiental e do uso das águas, e mesmo da política econômica fortemente dependente da produção de commodities, com o sacrifício da savana mais biodiversa do planeta!
Se nada for feito pelos próximos governos, em menos de três décadas as novas gerações não conhecerão o pequi, buriti, a cagaita, o coco babaçu, rios, nascentes, brejos, veredas, e tantas outras riquezas presentes nessa região tão esquecida, mas de grande importância estratégica para o país, onde estão localizados dois dos principais aquíferos brasileiros – o Urucuia e o Guarani.
Encaminhamos junto a esta Carta a sentença proferida pelo TPP, assim como outros documentos e referências que possam contribuir para que você e sua equipe se aprofundem e reflitam sobre como poderemos construir juntos esse novo caminho.
Sabemos que temos ainda uma acirrada eleição – e campanha – pela frente, mas a esperança em um país melhor para futuras gerações, a fé na luta e na sabedoria do povo, nos leva a crer que você estará à frente de um novo governo a partir de 2023. Nos colocamos desde já à disposição para o diálogo sobre propostas para reconstruir este país dilacerado pela extrema-direita – a começar pelas dezenas de recomendações elaboradas pela Campanha e acatadas pelo júri do TPP.
Nossa esperança é que esses novos paradigmas trazidos pelos povos originários e tradicionais possam ser incorporados e transformados em políticas públicas em um novo governo atento às mudanças climáticas. Contando desde já com seu apoio e compreensão, nos despedimos por aqui.
São Paulo, 26 de agosto de 2022
Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
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