O desafio de garantir trabalho decente para a juventude
Para boa parte da juventude brasileira, acesso ao trabalho decente ainda é algo distante. Quadro é pior para negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência e migrantes
Benes França
12 min
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com colaboração de Germana Pinheiro
Há um grande desafio a ser superado neste país, quando se trata da inserção dos jovens no mundo do trabalho, sobretudo, na perspectiva do trabalho decente. Este desafio inclui a implementação de políticas públicas que efetivamente atendam às especificidades dos grupos que compõem a juventude brasileira. Para tanto é necessário compreender a realidade destes jovens e, necessariamente, entender a diversidade de fatores que caracterizam e afetam a vivência deste público.
>>Glossário: o que é trabalho decente
Como primeiro ponto, é urgente reconhecer que as condições econômicas, étnicas, educacionais, habitacionais (rural ou urbana), regionais, de orientação religiosa, sexual, entre outras, tornam a juventude um grupo bastante diverso e, portanto, é essencial um olhar atento às suas especificidades.
A educação é um elemento importante dessa realidade, considerando que, quanto mais tempo de estudos, maiores são as chances de acesso ao trabalho decente, para além do fato de que as políticas educacionais podem contribuir de forma decisiva para diminuir as desigualdades sociais, conforme apontam estudos sobre este tema. Portanto, é preciso dedicar especial atenção às políticas de educação, considerando o quanto elas podem determinar a relação com o mundo do trabalho para jovens em situação de vulnerabilidade.
>>Home Ofiice, pandemia e a divisão sexual do trabalho
Além das fragilidades da educação brasileira, outra grande barreira é o fato de que a realidade de vida, especialmente do mundo do trabalho, não estar refletida na sala de aula, notadamente na educação no meio rural e na educação de jovens e adultos.
Segundo Antonio Carlos de Mello, Presidente do Instituto Trabalho Decente (ITD), organização da sociedade civil que desenvolve projetos e outras iniciativas relacionadas à juventude e trabalho, a educação no Brasil, de regra, não forma indivíduos críticos. Ele lembra que o problema da educação permeia todas as classes sociais, mas com maior impacto nas famílias de baixa renda.
Antônio Carlos também ressalta que desde 2014 o Brasil enfrenta uma crise na economia, na política e na área social. E os impactos negativos dessa grande crise tendem a ter maior impacto na vida dos jovens: “É assustador enxergar pessoas economicamente ativas, incluindo os jovens, sem nenhum trabalho e, o pior, sem a possibilidade de conseguir um trabalho digno, devido a essa profunda crise econômica. O resultado é o aumento da população em situação de pobreza. Esse cenário tem sido agravado com o desmantelamento de políticas sociais e de proteção dos direitos humanos, além da diminuição da capacidade da política pública de fiscalização no mundo do trabalho”.
Nesse contexto, os desafios para a inserção do jovem no mundo do trabalho são enormes, principalmente para os grupos sociais em situação de vulnerabilidade. Com isso, a chance dessas pessoas serem exploradas se amplia.
Diversas pesquisas apontam que a baixa escolaridade, a falta de experiência e a baixa qualificação são os principais fatores que impedem a inserção dos jovens no mercado de trabalho e este cenário somente se agravou com a pandemia.
Andrey Felype Nascimento da Silva, jovem estudante de 16 anos sempre estudou em escola pública. Atualmente, ele que reside na cidade do Paranoá, periferia de Brasília, e cursa o 1º ano do ensino médio. O jovem acredita que a educação é o caminho para atingir seus projetos de vida e revela que desde pequeno escuta sua mãe repetir que estudar é a única salvação. O jovem, que tem o sonho de ser um cientista político, tem consciência de que terá que se esforçar muito mais, pois sabe que o preconceito social e racial são barreiras que farão parte da batalha para conquistar seu objetivo. Ele cita a frase de Nelson Mandela, “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. Diz que essa frase é repetida como uma oração diária, que alimenta sua resiliência. Andrey opina que a educação precisa ser valorizada no país e mantém uma perspectiva otimista para o futuro: “Eu tenho esperança na educação brasileira”.
Outra história que emociona e instiga é a de Mariana Lima, uma jovem de 19 anos, residente em Salvador, na Bahia, que teve boa parte da trajetória estudantil no colégio da Polícia Militar da Bahia e concluiu em 2019 o ensino médio por meio do ENCCEJA – Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos.
Determinada a seguir com seus estudos, ela ingressou no curso de Pedagogia em 2021 em uma Universidade particular em Salvador por meio da concessão de uma bolsa de estudos. Porém, como muitos jovens brasileiros com renda familiar reduzida, paralelamente aos estudos, ela precisa se socorrer de atividades informais, diante necessidade de aferir renda e assim contribuir com as despesas familiares. Ela aproveitou sua criatividade, fez cursos online para aprimorar a técnica e começou a vender serviços gráficos, para sua família e amigos. Assim, aos poucos, aumentou sua clientela. Dessa iniciativa surgiu a gráfica virtual, Designs Machado – @designs_machado. Inquieta e cheia de disposição, a jovem ainda é responsável pela Obáirá – @oba_ira, uma loja virtual de guias e acessórios de religião de matriz africana. Adepta do candomblé, aprendeu a fazer acessórios, gostava do que fazia e viu ali mais uma oportunidade de conseguir renda extra com sua arte.
Apesar de iniciativas como a da jovem baiana Mariana serem relatadas com empolgação e muitas vezes festejadas, é preciso enxergar essa realidade pela perspectiva do desafio que representa para os jovens a conciliação tão complexa entre os estudos e trabalho. E que esta situação só ocorre porque esses jovens precisam trabalhar para assegurar renda que auxilia ou garante o seu sustento ou mesmo de suas famílias. são situações que refletem a dura realidade de muitos jovens que não podem se dedicar plenamente aos seus estudos, e consequentemente obter conhecimentos e habilidades para que possam acessar postos com melhores condições de trabalho e com as melhores remunerações.
Além de empreender, Mariana Lima é jovem aprendiz em uma empresa de engenharia, onde ingressou por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI. Ela soube da oportunidade por meio de uma amiga: “Está sendo uma excelente oportunidade, pois venho aprendendo muito com a experiência. O programa Jovem aprendiz é de suma importância para a capacitação profissional”, declara. A jovem entende que a falta de oportunidades ainda é a maior barreira para o ingresso dos jovens no mundo do trabalho e lamenta que o desemprego entre os amigos e outras pessoas de seu convívio seja “desesperador, principalmente nesses tempos de pandemia, restando a informalidade e a ajuda de pessoas próximas para que consigam sobreviver”. Mariana ilustra a situação de muitas mulheres jovens, que precisam auxiliar a renda familiar, se desdobram em outras atividades no período crucial para sua formação profissional, problema que é ainda mais grave para jovens mulheres negras.
O programa Jovem Aprendiz é uma iniciativa que objetiva incentivar empresas a desenvolverem programas de aprendizagem para jovens e adolescentes entre 14 e 24 anos. A iniciativa é fruto da Lei nº 10.097/2000, chamada Lei da Aprendizagem, que determina que todas as empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários, cujas funções demandem formação profissional. O aprendiz é o adolescente ou jovem que estuda e trabalha, recebendo, ao mesmo tempo, formação teórica e prática na profissão para a qual está se capacitando. Deve cursar a escola regular se ainda não concluiu o Ensino Fundamental e estar matriculado e frequentando instituição de ensino técnico profissional conveniada com a empresa.
O contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, com duração máxima de dois anos, anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, salário-mínimo/hora e todos os direitos trabalhistas e previdenciários garantidos. O aprendiz contratado tem direito a 13º salário e a todos os benefícios concedidos aos demais empregados. Suas férias devem coincidir com o período de férias escolares, sendo vedado o parcelamento.
Esse programa do Governo Federal tem um papel importante na vida de muitos jovens, pois, de fato, é o primeiro contato deles com o mercado de trabalho e lhes possibilita experiências profissionais e um crescimento para além do que aprendem em seu ofício.
Andrey Silva, de Brasília, afirma conhecer o programa Jovem Aprendiz, pois seu irmão teve a oportunidade de participar e ele está buscando se inserir no programa, mas percebe que atualmente as oportunidades estão muito escassas, o que acredita ter relação com a pandemia. Atualmente ele estuda de forma remota e divide seu tempo com reuniões de projetos sociais e fóruns de defesa dos direitos e interesses da crianças, adolescentes e jovens, dos quais participa ativamente. Mas confessa que seu desejo é ter uma oportunidade no Programa Jovem Aprendiz para ter alguma experiência, antes de ingressar no mercado de trabalho, o que espera ocorra ao alcançar os 18 anos.
Um outro ponto que Andrey registra é a dificuldade de acesso à tecnologia, algo fundamental e que afasta ainda mais jovens de oportunidades de trabalho ou formação. Ele aponta que há fragilidade na comunicação sobre os programas de aprendizagem: “a informação não chega (aos jovens) de forma devida. Falta orientação e direcionamento, o que é agravado pelo fato de muitos jovens não terem computador ou sequer televisão para ter acesso à informação”, afirma.
Para Antonio Mello, é necessário que as empresas tenham incentivos para inserir os jovens e é nesse ponto que entra a lei de aprendizagem. Para ele, essa é uma das possibilidades da inserção no trabalho de jovem vulneráveis de maneira protegida: “A lei de aprendizagem é uma grande conquista e merece ser celebrada”, defende. Todavia, apesar de ser uma possibilidade para o ingresso do jovem no mundo do trabalho de maneira protegida, Antonio aponta que existem muitos municípios brasileiros em que as cotas de aprendizagem não são respeitadas. O especialista sugere que devem ser feitas concessões pelo empresariado brasileiro para a contratação de jovens mais vulneráveis como aprendizes, justificando que “em nosso país existe defasagem na educação e é exatamente esse jovem que precisa da aprendizagem profissional”.
Os jovens brasileiros em situação de vulnerabilidade são os mais impactados para acessar um trabalho decente. Sendo que os jovens negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiência ou migrantes, enfrentarão mais barreiras, decorrentes das discriminações, que se somam às exigências cada vez maiores no mercado de trabalho. Uma queixa comum consiste na dificuldade de inserção no mercado de trabalho pela exigência de experiência, o que é inviável para aqueles em busca de ter acesso ao primeiro emprego.
“A violação dos direitos sociais, econômicos e políticos é o que gera as dificuldades de inserção no mundo do trabalho e de oportunidades de trabalho decente”. “afirma Antônio Mello. Ele aponta que existe uma naturalização, uma questão cultural e a sociedade não reconhece que a criança e ou adolescente pobre, como qualquer outra, não pode trabalhar até determinada idade. Para lei brasileira, o jovem não pode trabalhar antes de 16 anos, e dos 16 aos 18 só em atividades que não sejam prejudiciais à saúde, segurança ou à moralidade na forma prevista em lei. Entre 14 e 15 anos somente pode ser aprendiz. Contudo, a permissividade para qualquer trabalho quando se trata de jovens pobres continua sendo um desafio para a erradicação dessa prática proibida.
Um quarto dos jovens brasileiros não trabalha nem estuda, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) sobre educação publicada em junho de 2019. Muitas vezes, por causa da dificuldade de encontrar um emprego, os jovens se desanimam, engrossando as filas dos desalentados, que caracterizam aqueles que desistem de procurar por um emprego.
A falta de uma perspectiva profissional para os milhares de jovens brasileiros é um fator preponderante de desagregação social. Além disso, deixa esses jovens mais vulneráveis a serem submetidos a ambientes de violência e de criminalidade. Existe relação direta entre a violência e a falta de políticas públicas eficazes de educação e trabalho para os jovens vulneráveis, desde que nascem em ambientes de violações de direitos, em contextos familiares que reproduzem esse ciclo de vulnerabilidade por gerações. O resultado da soma desses fatores pode ser porta de entrada para a prática de ato infracional. E se em outros contextos há enormes barreiras para a inserção no mercado de trabalho, esses desafios se intensificam para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas.
É necessário investir nos jovens, promover o seu desenvolvimento, criar perspectivas favoráveis para o seu futuro e apoiar a sua participação integral na sociedade. É importante ainda priorizar o jovem vulnerável nas estratégias de contratação, como uma experiência enriquecedora para ambas as partes. Pessoas diferentes, com contextos sociais e vivências pessoais diversas, garantem um ambiente de trabalho mais diversificado e mais produtivo, assegurando aprendizado contínuo e o crescimento para todos. Em outra perspectiva, possibilita que esses jovens desenvolvam suas potencialidades e demonstrem seus talentos, contribuindo para combater a discriminação no mundo do trabalho.
Publicado originalmente no site do ITD
Imagem de topo: Nappy
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