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O orgulho é uma identidade

Guilherme Gomes Ferreira

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O dia 28 de junho é celebrado, em todo o mundo, como o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+ em alusão à Revolta de Stonewall, nos Estados Unidos, que completa 52 anos em 2021. Naquele momento, o contexto de violência e abuso policial, detenção arbitrária e aprisionamento da nossa população deu lugar a uma rebelião que, até hoje, é lembrada como um dos tantos fatos que marcaram a história das dissidências sexuais e de gênero, que sempre foram tratadas pelo conjunto social como crime,  loucura e  pecado.

No Brasil, também experimentamos situações como aquelas vividas no Bar Stonewall Inn, de Nova Iorque. Batidas policiais – os “atraques” – eram comuns nos bares LGBTI+ até os anos 80, só diminuindo com o processo de redemocratização. As homossexualidades e transgeneridades, embora não fossem crime, eram facilmente relacionadas pela polícia aos crimes de vadiagem e atentado ao pudor e muitas pessoas foram espancadas, perseguidas, desaparecidas, sequestradas, torturadas, detidas e presas. Ainda hoje sabemos que pessoas da nossa comunidade sofrem com experiências particulares em relação à seletividade penal e a prisão provisória.

É por tudo isso que assumir uma identidade LGBTI+ é motivo de orgulho. O orgulho que sentimos não é pelo exercício em si de uma orientação sexual ou identidade de gênero dissidentes da norma: é por assumirmos uma identidade pública de LGBTI+. Temos orgulho de ser LGBTI+ em um país que ainda hoje é de extrema violência e desproteção social para a nossa população. O país que mais mata mulheres trans e travestis e que alia falta de segurança pública à vulneração social. Aqui reside, aliás, um paradoxo: nossas vidas ainda são marcadas no mundo ou pela incriminação que sofremos ou pela nossa morte – em outras palavras, como autores ou vítimas de crimes.

O Brasil reserva uma existência ainda mais perversa para os LGBTI+ daqui, tamanho o desmonte e o desfinanciamento das políticas públicas e o crescimento radicalizado do desemprego e da rualização dessa população — o que é visível somente a olho nu, uma vez que não existem pesquisas fidedignas sobre nossa população para acompanharmos essa precarização em números. É por isso que nos orgulhamos mesmo (e ainda mais) em um contexto de desmonte do setor público, sabendo que nossa tarefa e desafio político não se localizam apenas na proteção legislativa, mas na proteção social, na busca por um Estado Social.

Além disso, temos a tarefa, ao mesmo tempo em que nos orgulhamos das nossas identidades, de pensarmos a política também para além dela. Nós nos orgulhamos ainda que caminhemos, a passos lentos, para uma política de vulnerabilidades já que só a identidade muitas vezes não é garantia de proteção e direito. Temos que pensar com seriedade sobre as multidões queer, sobre as famílias de LGBTI+ que choram as vidas perdidas e sobre todos os corpos vulneráveis à violência e ao terrorismo de gênero e sexualidade que fogem às letras identitárias e que, ainda assim, podem ser vítimas do hetero-cis-terrorismo. 

O orgulho, por isso, é uma identidade e uma política sedimentada nas nossas feridas, que ostentamos no corpo para fazer frente à toda violência que vivemos e ainda viveremos.

Guilherme é ativista na ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade e voluntário nas ações do Projeto Passagens – Rede de Apoio a LGBTI+ nas Prisões. Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenador do Grupo de Pesquisa Justiça, Direitos Humanos e Segurança da mesma universidade. Bacharel, Mestre e Doutor em Serviço Social.

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