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Mais de 30% das pessoas encarceradas no Brasil estão presas provisoriamente. Isso significa que, apesar de presas, elas ainda aguardam julgamento. Esse grupo faz inflar uma população carcerária já numerosa: a terceira maior do planeta.
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O fenômeno tem consequências sociais: estudos recentes demonstram que investigados que ficam em prisão provisória durante todo o período da pré-sentença são muito mais propensos a serem condenados ao regime fechado e a maiores tempos de pena, para todos os tipos de crime. Revisões sistemáticas apontam que sentenças de prisão são menos eficientes para a redução da reincidência quando comparadas a penas e medidas alternativas em meio aberto. Estas últimas, além disso, são mais baratas e têm menos consequências para os sujeitos e suas famílias. Evidências também mostram que programas alternativos à prisão, voltados para questões específicas — como uso de drogas e violência sexual— reduzem a reincidência.
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Além disso, políticas públicas muitas vezes restringem os direitos civis, oportunidades de emprego e elegibilidade para benefícios sociais de pessoas com antecedentes criminais. Estudos demonstram que pessoas em liberdade provisória são 11% mais propensas a ter renda dois anos após a audiência de custódia e possuem 9,4% mais chances de estarem empregadas 3 a 4 anos após, quando comparadas a pessoas que foram presas provisoriamente.
>> Síntese de Evidências: alternaticas às prisões provisórias
Sabendo disso, o Instituto Veredas reuniu estratégias que podem servir como alternativas às prisões provisórias, e que podem contribuir para a diminuição dos índices de encarceramento no país. A eficácia e os custos de cada alternativa foram avaliados segundo as melhores evidências científicas disponíveis. O trabalho completo pode ser lido no volume “Síntese de Evidências: alternativas às prisões provisórias”, disponível online. Uma das estratégias examinadas é a da Justiça Restaurativa.
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O que é justiça restaurativa?
São intervenções para resolução de conflitos que podem ou não envolver a mediação de um juiz. O conceito inclui uma ampla gama de práticas de justiça baseadas nos valores comuns de uma comunidade, e envolve procedimentos muito variados. Esses valores encorajam os infratores a assumir responsabilidade por suas ações e reparar os danos que causaram, geralmente (embora nem sempre) em comunicação com suas vítimas pessoais.
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As práticas de justiça restaurativa podem incluir, por exemplo, as “Conferências de Grupos Familiares” da Nova Zelândia. Comuns no país, essas conferências são baseadas em práticas tradicionais do povo Maori. Durante o encontro, sempre mediado por assistentes sociais ou policiais, familiares discutem como reparar delitos cometidos por crianças e adolescentes. Nesse modelo, infrator e vítima conversam até chegar a um acordo benéfico a todos.
Outro exemplo são os programas governamentais que, no Reino Unido, treinam policiais para atuar como mediadores de conflito em plena rua: depois que um crime é cometido, os envolvidos são encorajados a conversar, reparar seus erros e se desculpar. Não é necessário o envolvimento de juízes, advogados ou processo criminal.
O objetivo da justiça restaurativa, de maneira geral, é permitir que o infrator corrija seus erros — em lugar de punir sua infração. Acredita-se que, ao proporcionar uma oportunidade para o infrator compensar o que ele fez, juntamente com o perdão da vítima, aumenta a satisfação de todos os envolvidos e reduz a probabilidade de reincidência.
Muitas dessas práticas são conduzidas por organizações comunitárias, e não envolvem necessariamente o sistema de justiça estatal. Os sistemas de justiça não-estatais podem ser definidos como sistemas informais (geralmente baseados em práticas tradicionais), focados na participação da comunidade empregando métodos de resolução de conflitos da justiça restaurativa. A mediação, aqui descrita, é um processo de debate, costumeiramente realizado na comunidade, sobre os delitos ou as práticas violentas entre jovens, em geral com a presença da pessoa que cometeu a ação, da vítima e de um mediador externo, podendo esse mediador ser um par.
A justiça restaurativa é eficiente?
Revisões de estudo concluíram que a estratégia tem efeitos benéficos em mais de um aspecto:
• Encontros face-a-face de justiça restaurativa são efetivos para a redução de reincidência e aumento da satisfação da vítima.
• Sistemas de justiça não-estatal são efetivos para aumento do acesso à justiça, aumento da eficiência judicial, fomento à conciliação e às sanções comunitárias.
Há, no entanto, algumas incertezas quanto aos benefícios da abordagem. A dúvida existe porque alguns dos estudos disponíveis não são suficientemente robustos, ou podem sofrer de viés:
• Para jovens de 7 a 21 anos, as evidências disponíveis são conflitantes no que diz respeito aos efeitos da Justiça Restaurativa nos desfechos de número de novas prisões, reincidência (taxa mensal), remorso do jovem após o encontro, reconhecimento do dano causado, percepção do jovem após conferência, satisfação do jovem após o encontro e satisfação da vítima após o encontro. Alguns resultados indicam que as vítimas que participam de encontros de justiça restaurativa se sentem mais satisfeitas do que aquelas que só vão aos procedimentos judiciais normais. É preciso ter cuidado ao interpretar os resultados, considerando o pequeno número e o alto risco de viés dos estudos incluídos. A necessidade de mais pesquisas nesta área é destacada.
• Não há evidências disponíveis sobre o efeito de Sistemas de justiça não-estatal nos desfechos de redução de índices criminais e promoção de direitos humanos .
• Não há evidências de que a mediação tenha um efeito sobre a redução do comportamento violento ou do porte de armas de jovens. No entanto, avaliações de maior escala são necessárias. Há poucas evidências sobre seus efeitos em prisões e novas sentenças.
• Há evidências conflitantes sobre o efeito de Sistemas de justiça não-estatal na atenção à justiça de gênero.
Facilitadores e barreiras de implementação
• Encontros face-a-face de justiça restaurativa reúnem a pessoa que cometeu o crime, suas vítimas e suas respectivas famílias e comunidades. A satisfação das vítimas com o tratamento de seus casos é consistentemente maior do que a daquelas que passaram pelo processamento normal da justiça criminal. Os efeitos sobre a diminuição de reincidência são especialmente claros quando os encontros são um complemento à justiça convencional, com menos certeza sobre seus efeitos quando são usados como substitutos, embora sejam muito mais custo-efetivos e mais satisfatórios para as pessoas que cometeram crimes e para as vítimas.
• Já nos encontros de justiça restaurativa para crianças e jovens, os principais delitos envolviam lesões corporais e crimes contra a propriedade, não havendo quase estudos em relação ao tráfico de drogas. Os encontros envolvem uma reunião entre o infrator, a vítima ou as vítimas, a rede de apoio de ambos e um coordenador do encontro. A mediação vítima-infrator não deve ocorrer separadamente da reunião com pais/responsáveis – um componente-chave de um encontro de justiça restaurativa é que a família do infrator compartilhe a responsabilidade. Em geral, o delegado de polícia foi o responsável por encaminhar o jovem para o encontro de justiça restaurativa.
• A busca de resoluções dos sistemas de justiça não-estatal ajuda na rápida resolução dos casos e é percebida como confiável no contexto local, ao combinar leis e crenças. A maioria dos casos são baseados na comunidade. Portanto, as pessoas envolvidas teriam uma melhor compreensão da situação, cultura e costumes. Esses sistemas são procurados pelas pessoas, especialmente nas áreas rurais, devido à sua proximidade física em comparação com os sistemas formais de justiça, além da expectativa de redução dos custos. Para complementaridade no trabalho entre o sistema não-estatal e o formal, deve haver algum reconhecimento judicial da legitimidade do sistema de justiça não-estatal. Sistemas híbridos que levam os pontos positivos de ambos os sistemas têm sido eficazes na resolução de disputas, sendo um modelo a combinação de sistemas tradicionais de justiça restaurativa, coordenados por Conselhos locais, ONGs ou coletivos. A manutenção de registros e o treinamento de pessoal são necessários. Os sistemas de justiça não-estatal também podem ter como barreiras questões de legitimidade (sua conformidade com o estado de direito administrado pelo sistema de justiça formal), da falta de responsabilização, da corrupção e da falta de conformidade com a justiça de gênero e normas internacionais de direitos humanos.
• Mediação pode ser oferecida em escolas e EJAs, inclusive por pares treinados, e parece ter melhores efeitos entre jovens em alto risco ou exposição à violência. O mecanismo de funcionamento está relacionado ao aprendizado de técnicas e habilidades para evitar situações violentas.
Impacto financeiro
A justiça restaurativa face-a-face causa uma redução modesta de reincidência, mas altamente eficaz em termos de custos, com benefícios substanciais para as vítimas. Pode, inclusive, diminuir os custos em caso de futuros crimes.
Locais onde foram realizados os estudos listados nesse texto: Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Holanda e países da Ásia (Afeganistão, Butão, Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão e Sri Lanka) e da África (Ruanda e Serra Leoa)
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