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Quem controla as polícias?

Relatório avalia a atuação dos ministério públicos como órgãos responsáveis por controlar a atividade policial. Ainda nessa edição, o Julho das Pretas e um giro pelas organizações do terceiro setor.

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Rafael Ciscati

8 min

Capa da pesquisa Quem controla as polícias - trabalho questiona atuação dos ministérios públicos

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As polícias brasileiras mataram 6243 pessoas em 2024. Algo como 17 novas mortes por dia, de acordo o recém-publicado Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o relatório, a violência policial foi responsável por 14% das mortes violentas intencionais registradas no país no ano passado. Um salto em relação a 10 anos atrás, quando as tropas responderam por 5,1% desses incidentes. As principais vítimas foram homens negros com mais de 18 anos.

Os números do anuário situam as polícias brasileiras entre as mais letais do planeta (elas estão, também, entre as que mais morrem). Um outro estudo recente sugere que,se isso acontece, é porque os órgãos responsáveis por fiscalizar o trabalho policial falham na missão.

A conclusão é da pesquisa Quem controla as polícias, divulgada na última segunda-feira (21). O trabalho — uma realização do Fórum Justiça em parceria com IDMJR, Conectas, Cesec, Ideas e Gevac — recorre a dados obtidos via Lei de Acesso à Informação para analisar a atuação dos ministérios públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Na avaliação dos pesquisadores, os MPs dessas localidades arquivam a maioria das investigações sobre casos de letalidade policial e, por falta de uniformidade, falham na tarefa de prevenir esse tipo de violência.

Conforme determina a Constituição Federal de 1988, é tarefa do Ministério Público fazer o controle externo da atividade policial. Isso acontece, em linhas gerais, de duas maneiras: por meio do que os especialistas chamam de “controle difuso” – quando os MPs acompanham casos de violência e, a partir de uma análise, decidem denunciar ou não os envolvidos; e por meio do “controle concentrado” — aquele que envolve a criação de mecanismos dedicados a acompanhar a atividade policial com função preventiva, como a produção de relatórios.

Em teoria, a boa atuação nessas duas frentes deveria resultar em polícias melhores: menos letais, mais capazes de entregar segurança à população. Nem toda morte provocada por policiais é ilegal, afinal. Mas, a julgar pela trajetória da violência policial nos últimos anos, a teoria anda descolada da prática.

 

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O relatório mostra que, em São Paulo, por exemplo, dos 4945 procedimentos abertos para apurar mortes provocadas por policiais entre 2011 e 2023, somente 8,9% resultaram em denúncia. Ou seja: somente nesses poucos casos, o MP viu indícios de ilegalidade e encaminhou o caso à Justiça. Todos as demais investigações sobre episódios de letalidade foram arquivadas.

O cenário fluminense é ainda pior que o paulista: somente 3,6% dos procedimentos que apuram mortes em conflito resultam em denúncia. A situação mais grave, no entanto, é a da Bahia. O estado é lar da segunda polícia mais letal no país (em taxa de letalidade, as polícias baianas perdem para as do Amapá, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública). Ainda assim, o MP baiano não tem dados sobre investigações a respeito de policiais que matam. “Essa ausência, em si, é já um dado bastante relevante”, escrevem os pesquisadores.

No campo do controle preventivo, o relatório constatou que os MPs de quase todos os estados contam com estruturas especializadas em acompanhar o trabalho policial. As exceções são Amapá e Rio Grande do Norte.

A notícia, no entanto, não é inteiramente boa: segundo os pesquisadores, falta uniformidade na atuação dessas estruturas especializadas. Elas “ variam ao sabor das políticas internas de cada MP”.

Somente nove estados contam com “grupos especializados de controle da atividade policial”. São grupos que “desempenham essa função de forma dedicada, possibilitando um olhar amplo e sistemático da instituição para as diversas facetas do controle da atividade policial”. Nos demais estados, as nomenclaturas variam. Não é algo, segundo o relatório, que aconteça em outros campos de atuação dos MPs. O combate ao crime organizado, por exemplo, conta com Grupos Especiais – os Gaecos – funcionando de maneira uniforme em todo o país.

À Agência Pública, o MP de São Paulo disse que a criação do GAESP fortaleceu o controle da atividade policial, mas destaca que promotores também atuam no controle difuso da conduta policial. Já o MP do Rio disse que “recriou, em fevereiro deste ano, o GAESP para fortalecer o controle externo da atividade policial. O grupo mantém um plantão de monitoramento em tempo real das operações e atua em conjunto com corregedorias e o Núcleo de Apoio às Vítimas”.

Em tempo: depois de apresentada a denúncia, a porcentagem de policiais condenados por matar civis é, também, ínfima. Em 2023, Brasil de Direitos conversou com a cientista social Poliana Ferreira, que estuda os mecanismos de responsabilização da polícia que mata. “O sistema de justiça está organizado para não responsabilizar os agentes”, disse ela.

Quilombolas em risco

Ameaças de morte são a forma de violência mais recorrente contra populações quilombolas. A constatação é do Atlas dos Conflitos no Campo Brasileiro, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) essa semana. O estudo analisa casos de violência ocorridos ao longo de 24 anos, entre 2000 e 2023. Nesse período, houve 3017 ocorrências envolvendo quilombolas. Casos de agressão física, tentativa de assassinato e até de assassinatos consumandos. No rol de violações, as ameaças de morte são as que aparecem em maior número: 430 ocorrências

Carro de trabalho da vítima está inutilizado após perseguição que resultou em acidente- Imagens cedidas pela comunidade

Carro de trabalho da vítima está inutilizado após perseguição que resultou em acidente- Imagens cedidas pela comunidade

Ainda no tema, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) vem notando o recrudescimentos dos conflitos por terra no oeste baiano. As disputas opõe grandes agricultores a comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, que usam o território de forma tradicional. À Brasil de Direitos, a associação relatou casos recentes de ameaças a lideranças quilombolas na região.

Para pensar

O aborto no Brasil está parado no tempo. Foi o que as pesquisadoras Raquel Lustosa e Marina Coutinho ouviram de mais de uma entrevistada enquanto conduziam o levantamento Criminalização do aborto no Brasil: um estudo sobre os itinerários penais e punitivos no período de 2012 a 2022”, da Anis – Instituto de Bioética.

Em artigo para a revista AzMina, elas refletem como a criminalização do procedimento (que é legal no Brasil somente em três hipóteses: quando a gestação é resultado de estupro, quando ameaça a vida da gestante ou em caso de feto anencéfalo) pume, especialmente, mulheres pobres e negras. “A criminalização ainda impede a construção de políticas públicas de cuidado, escuta e reparação, e mantém intacta a realidade de violação de direitos e desigualdade no acesso à saúde”.

 

Defensor(x)s em foco

A Brasil de Direitos, você já sabe, é uma plataforma de notícias sobre direitos humanos construída de forma colaborativa. (Quase) todo mês, nossa equipe editorial se reúne com organizações de defesa de direitos atuantes no Brasil inteiro. São esses grupos que, junto com nossos jornalistas, definem quais serão as pautas publicadas no site.

Nessa seção, a gente faz um giro pelo do trabalho dos parceiro da plataforma 😉

Julho das pretas

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No dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. Para marcar a data, a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (Idmjr) realizou a primeira turma da Formação Popular Orçamento Público Para Mulheres Negras. A ideia da formação é apresentar às mulheres conhecimento útil, com potencial para impactar suas comunidades.

Letramento racial

Ao longo de todo o mês de julho, a Yalodês – Rede de Advogadas Negras, promoveu um curso online e gratuito sobre letramento racial. Foram três aulas voltadas, prioritariamente, para comunidades racialmente marginalizadas, estudantes de direito negras, jovens advogadas e povos de terreiros de matriz africana. Quem perdeu ainda está em tempo de assistir à primeira aula, disponível no canal de youtube da rede.

Crimes sem resposta

Por sugestão do Instituto Sou da Paz, o Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (CONSINESP) aprovou a criação de um indicador nacional de esclarecimento de homicídios pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ideia já começa a ser testada a partir de dados que chegam dos estados. Como próximo passo, será elaborada uma portaria regulamentando o indicador, a ser publicada até o final de outubro ou novembro deste ano. A criação do indicador nacional é um dos principais objetivos do projeto Onde mora a impunidade, desenvolvido pela organização.

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