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Sobre ampliar referências e combater preconceitos

Maria Teresa Ferreira

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Nesse mês da visibillidade LGBTQIA+, fico aqui me perguntando qual nossa capacidade de deixar para trás olhares viciados e ampliar as referências que nos trouxeram até aqui, para que possamos caminhar mais próximos da realidade. Como recuperar o que há de melhor em nossos ancestrais e, ao mesmo tempo, ampliar nossos horizontes enquanto sociedade?

Sempre que penso em referências, lembro da minha avó e das minhas tias. Às vezes, me pego repetindo frases, atitudes e comportamentos que as vi reproduzindo enquanto eu crescia. Quando me pego nesses passos, sorrio e agradeço a presença delas. Dizem que quando envelhecemos nos tornamos um pouco como eles, os mais velhos. Muitas vezes, a maturidade nos leva a caminhos percorridos por outras pessoas.

Outras vezes, me pego nos tropeços comportamentais, repisando preconceitos, julgamentos e colocações da geração delas. Já não sorrio, e repito pra mim mesma: isso já deveria ter deixado de caber em você. Agradeço o alerta da consciência. Guardo a lembrança na caixa das memórias afetivas. Sigo na batalha interna contra os equívocos dos que vieram antes de mim.

Nós somos constituídos de tudo que vêm antes de nós, e isso não quer dizer ,necessariamente, que esse tudo seja bom. Importante lembrar que aceitar essa verdade não significa negar o amor.  Ao contrário, trata-se apenas de uma afirmação acerca de uma realidade concreta: a transformação dos tempos.

Uma dessas grandes transformação que me vêm à cabeça é a mudança na tal da família. O conceito de família deixou de remeter ao núcleo formado por um homem e uma mulher,  unidos pelo matrimônio, que se tornam um pai e uma mãe. Hoje, o conceito de família se ampliou. Ele corresponde à construção de laços de afeto, cuidado e acolhimento, independente do gênero e orientação sexual. Nossas referências familiares são tão diversas quanto as cores que compõem a paleta da vida e os caminhos que seguimos para sermos plenos, exercermos nossa cidadania e sermos cidadãos de direitos.

A TV, o cinema, os jornais e principalmente as redes sociais, a cada dia ampliam nosso horizonte sobre as diferentes formas de experienciar a vida, e deveriam, na mesma velocidade, desmontar a forma engessada que nos fizeram acreditar que deveríamos ser.

Reorientar nosso olhar para o mundo se faz urgente, quando cada dia mais as violências sistêmicas e estruturais abreviam vidas e atrasam a construção de um projeto politico para todes.

A pergunta que fica é:
– Qual nossa disposição em deixar para trás julgamentos, atitudes e comportamentos que notoriamente impõem dor, exclusão, marginalização e morte? Temos disposição para combater os preconceitos que alimentamos em nós, muitas vezes sem nem perceber?

A sociedade e o mundo, (ou seja, nós que aqui estamos) carecem de um novo olhar para nós mesmo. É urgente reconhecer que em algum ponto da linha histórica, perdemos a capacidade de nos vermos uns nos outros (sou dessas otimistas que acreditam que, um dia, fomos capazes de olhar o próximo com mais generosidade).

O patriarcado, o capitalismo, as violências estruturais, culminaram na onda conservadora que tomou o mundo. Os maiores expoentes dessa tsunami foram Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil.

Cometemos o grave erro de silenciar existências divergentes.  Como sociedade, cultivamos a ilusão de eliminar vozes e corpos insurgentes. Mas, apesar da violência entranhada no tecido social, elas jamais deixaram de crescer e criar movimentos e estratégias dentro e fora da própria estrutura, para que o grito de liberdade de ser quem se é seja ouvido e respeitado.

São essas narrativas, vivências e experiências transgressoras que vão alterar radicalmente nossas referências, possibilitando criar um projeto político que alargue nossos horizontes e amplie nosso diálogo diante da materialidade.

A realidade concreta de pessoas LGBTQIA+ exige que os referenciais psíquicos e sociais sejam ressignificados para que as respostas sócio institucionais possam atende-los como cidadãos plenos. Só assim poderemos alterar o nosso marco civilizatório para construir um novo ponto de partida que nos reconheça a todes enquanto humanos.

Foto de topo: mídia ninja

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