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A beleza dos povos do Cerrado e da Caatinga em uma exposição fotográfica

Rafael Ciscati

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A geógrafa Valéria Santos, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), costuma dizer que, em termos de proteção ambiental, o Cerrado é o “primo pobre” dos biomas brasileiros. A questão é numérica: hoje, por exemplo, a lei define que proprietários de terra na Amazônia preservem 80% da floresta nativa em seus terrenos. Quem cultiva no Cerrado, por outro lado, tem autorização legal para desmatar quase tudo: deve deixar de pé 35% da vegetação original. Algo em torno de 11% do Cerrado estão protegidos por Unidades de Conservação. Na Amazônia, essa proteção chega a 50% do bioma. “Desde os anos 1970, o Cerrado é visto como uma área de expansão da fronteira agrícola”, diz Valéria. “Uma zona de sacrifício”. 

O Cerrado é o segundo maior bioma do país: cobre 12 milhões de quilômetros quadrados, espalhados por 12 estados. No imaginário do brasileiro, ficou marcado pela vegetação arbustiva, embora também inclua formações florestais. Seu lugar de “primo-pobre” em termos legais contrasta com a riqueza de vida que a região abriga. O bioma é lar de mais de 13 mil espécies de plantas, 850 espécies de aves e 250 de mamíferos. É também uma grande caixa d’água: os aquíferos do Cerrados alimentam rios que abastecem oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras. “Ele é essencial para a água de todo o Cone Sul”, diz Valéria.  

A importância ecológica não bastou para proteger o bioma. Em 2022, o desmatamento no Cerrado cresceu 31%, de acordo com levantamento do Mapbiomas. Estima-se que, nos últimos 40 anos, mais de 50% do Cerrado tenha sido derrubado, dando lugar a pastagens e plantação de soja. A fronteira agrícola avança, sobretudo, sobre uma área dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia conhecida pelo acrônimo Matopiba. Conforme avança, o agronegócio encontra populações tradicionais, como quilombolas e povos indígenas, pelo caminho. Pessoas que fazem uso da terra de forma comunal há gerações, e cuja cultura está entrelaçada às características do território. Hoje, o Matopiba é uma das regiões que mais concentra conflitos fundiários em todo o Brasil. 

Valéria quer mudar essa trajetória de destruição. Ela é uma das coordenadoras da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. A iniciativa reúne cerca de 60 organizações que cobram medidas para proteger o bioma e seus povos.  “A Campanha nasceu em 2016,  num momento de acirramento das tensões na região do Matopiba”, conta a geógrafa. “Desde o começo, entendemos que essa defesa deveria ser feita com os pés no chão, a partir das vozes dos povos do Cerrado”.

O grupo defende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reconheça o Cerrado como um patrimônio nacional. É algo que já vale para a Amazônia e para a Mata Atlântica, que receberam esse reconhecimento na ocasião em que a Constituição Federal foi promulgada, em 1988. “Àquela altura, o Cerrado já era visto como uma área de avanço da agropecuária”, diz Valéria. Por isso, ficou de fora. 

A PEC 504  tramita desde 2010, e o grupo tem esperanças de que vá a votação ainda em 2024. Ao longo do ano passado, Valéria e os colegas percorreram gabinetes em Brasília, na tentativa de sensibilizar deputados e senadores para a urgência da pauta. 

Ela explica que a mera aprovação da PEC não resultará em proteção imediata para o bioma. “O que queremos é pautar o Cerrado politicamente”, afirma. “Há setores que ainda pensam no Cerrado como um espaço para produção de commodities. Mas estamos num contexto de crise climática. É preciso que o agronegócio entenda que, se não proteger esse ecossistema, vai faltar água para as suas plantações”. 

Ressaltar a importância do Cerrado para a manutenção do equilíbrio hídrico do país é uma das estratégias da Campanha, que quer dialogar com toda a população brasileira. “Precisamos que a sociedade pressione o legislativo. E a questão da água conecta campo e cidade”. Por meio de uma petição online, a Campanha coleta assinaturas de pessoas interessadas em apoiar a aprovação da PEC. 


Em outubro do ano passado, os integrantes da Campanha organizaram uma exposição com fotos do Cerrado e da Caatinga na Câmara dos Deputados. A mostra foi batizada de “Riqueza presente, herança futura: o vai e vem do Velho Chico entre a Caatinga e o Cerrado” . Seus fotógrafos são habitantes do Cerrado e da Caatinga. São essas as imagens que você vê ao longo dessa página. Valéria explica que, no olhar dos integrantes da Campanha, há conexões entre os dois biomas. Ambos são ligados pelo rio São Francisco.  “E há conexões no que diz respeito à circulação de pessoas, e  no que diz respeito à riqueza cultural de suas populações”. 

Para quem sabe olhar, Valéria defende que o Cerrado é como um “paiol”: “Oferece imensa diversidade de alimentos”. Para os povos que nasceram ali, é também uma “farmácia”: “Onde você encontra, ao alcance das mãos, raízes, cascas e óleos, como o óleo de buriti, usado para proteger a pele”. 

As fotos da exposição ressaltam essa riqueza. E destacam o vínculo afetivo das populações do Cerrado com o bioma. “É uma beleza que faz a gente acreditar em Deus, nos deuses e nos encantados”, diz Valéria. E que ela conhece desde pequena. Nascida no Cerrado do Tocantis, ela é filha de assentados da reforma agrária. Diz que, a vida inteira, trabalhou para manter vivos o Cerrado e a riqueza cultural que ele sustenta. “Precisamos manter o Cerrado em pé, com direitos territoriais garantidos”, afirma. É uma missão que, de diferentes maneiras, cabe a todos os brasileiros. 

No site da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, você encontra o catálogo completo da exposição.

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