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ECA: o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente

A lei de 1990 protege os direitos humanos de crianças e adolescentes, e os reconhece como sujeitos de direito

Rafael Ciscati

6 min

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No dia 1 de abril de 1987, um grupo de mais de 500 crianças — alunos e alunas de escolas de Brasília — entrou cantando no Congresso Nacional. A delegação queria conversar com os deputados da Assembleia Nacional Constituinte.

O Brasil redigia uma nova Constituição Federal, e o grupo pedia que a Carta incluísse direitos que lhe beneficiasse. Educação pública e gratuita, prioridade no acesso à saúde, dentre outros.

O incidente virou notícia do Correio Braziliense: “O auditório Petrônio Portella do Senado foi palco, ontem, do maior lobby já surgido na Assembleia Nacional Constituinte”, brincou o jornal.

A cena é curiosa, mas não foi única. Recém-saído de uma ditadura que durara mais de 20 anos, o Brasil estimulava a participação popular na elaboração da nova Constituição. Grupos da sociedade civil se movimentaram para pressionar os constituintes a aprovar medidas que contemplassem os direitos de pessoas com menos de 18 anos de idade.

Caso do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Em mais de uma ocasião, essas movimentações contaram com a participação de crianças e adolescentes.

A visita daquele início de abril fora organizada pela Comissão Nacional Criança e Constituinte, criada pelo ministerio da Educação, e que assumira a tarefa de redigir uma proposta de artigo tratando dos direitos de crianças e adolescentes. 

A pressão foi bem-sucedida. Resultou no artigo 227 da nova Carta. Quase que integralmente redigido por movimento sociais, ele define que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Dois anos depois, entraria em vigor a lei 8069 de 1990 — o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Válida em todo o país, essa lei estabelece uma série de normas que dizem o que o Brasil deve fazer para tornar realidade os princípios contidos no artigo 227 da Constituição.

O ECA trouxe para o país uma nova concepção de infância. A partir dali, o Brasil passou a ter uma legislação destinada a proteger os direitos humanos dessa população. Mais que isso, passou a reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direito.

Enquanto legislações anteriores se preocupavam em controlar e punir, o Estatuto da Criança e do Adolescente se concentra em garantir direitos. Ele se baseia na doutrina da proteção integral — entende que crianças e adolescentes, enquanto cidadãos em desenvolvimento, devem ser protegidos por toda a sociedade.

Suas necessidades devem ser, também, priorizadas no desenho de políticas públicas, como os direitos fundamentais, direitos referentes à vida.

O que veio antes do ECA: as legislações sobre crianças e adolescentes no Brasil

Antes do ECA, vigoraram no Brasil dois Códigos de Menores. O primeiro entrou em vigor em 1927, e se notabilizou por fixar a maioridade penal em 18 anos. O segundo é de 1979,e é o primeiro a falar em proteção integral.

Ambos eram legislações específicas para crianças e adolescentes que tinham como objetivo criar mecanismos de controle social. Eram baseados na “doutrina da situação irregular”. O menor em situação irregular era aquele que não tinha família, que estava em situação de extrema vulnerabilidade, que cometera alguma infração ou até mesmo que havia sofrido maus tratos.

Segundo essas leis, essas crianças deveriam ficar sob a tutela do Estado — o que, geralmente, significava ser internado em instituições geridas pelo governo.

“Eles tratavam crianças e adolescentes no sentido punitivista. No sentido de entendê-los como objeto de repressão e de controle social”, diz Marina Araújo, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE).

“Era uma ideia ligada a um período em que o Brasil se desenvolvia. Crescia a violência urbana e tinha-se o viés de responsabilizar e punir crianças e adolescentes. Inclusive, com punições semelhantes às que os adultos recebiam”.

O que diz o ECA: a proteção integral à criança e adolescente

O ECA inverte essa lógica. Em lugar de punição, a nova legislação está interessada em garantir direitos. Ele consagra, no Brasil, a doutrina da proteção integral.

“Segundo essa doutrina, as crianças e adolescentes deixam de ser vistos como objeto de repressão social. Passam a ser sujeitos de direitos, que têm direito à participação política dentro de sua capacidade e grau de desenvolvimento”, diz Marina.

Também fica estabelecido que cabe à sociedade como um todo — família, comunidade, Estado — proteger essa população. “Por fim, a doutrina da proteção integral estabelece o princípio da prioridade absoluta. Significa que crianças e adolescentes têm prioridade nos serviços e políticas públicas”.

O ECA entende crianças como pessoas que têm entre 0 e 12 anos de idade. E adolescentes, segundo a lei, são aquelas entre 12 e 18 anos.

Enquanto os códigos anteriores tratavam de “menores em situação irregular”, o ECA é universal — sua proteção se aplica a todas as crianças e adolescentes, independentemente de classe social.

Ele é dividido em dois grandes blocos principais. No primeiro, detalha os direitos das crianças e adolescentes. Já o segundo trata dos órgãos (como, por exemplo, o conselho tutelar) e procedimentos responsáveis por assegurar esses direitos.

A lei :

  • Detalha os procedimentos relativos à adoção de crianças;
  • Determina que toda criança e adolescente tem direito à educação pública, educação ao esporte, gratuitas e, se possível, em escola próxima de casa; e
  • Estabelece que pessoas menores de 14 anos não podem trabalhar.

Marina conta que, ainda hoje, o ECA é considerado uma legislação avançada. Ela buscou inspiração em leis e tratados internacionais sobre o tema, como a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças, de 1989.

Mas o Estatuto, diz ela, não se basta em si. “Suas normas e princípios devem influenciar os outros ramos do direito. Como o direito à saúde, assistência social e educação”, afirma. “Outras políticas e normativas devem se basear nele para serem efetivadas”.

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