A cada meia hora, uma criança vira mãe no Brasil
Série da revista Azmina mostra dificuldades que meninas enfrentam para acessar o direito ao aborto legal. Ainda nessa edição, Centro É de Lei aproxima redução de danos e justiça criminal

Rafael Ciscati
6 min

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A certa altura da série de reportagens Meninas Mães, publicada pela revista Azmina, as repórteres Schirlei Alves e Deyse Cruz-Noronha chegam à casa de Silene, uma menina de 13 anos cujo bebê acabara de nascer. A garota vive com a avó e, apesar de ter entrado há pouco na adolescência,parece muito mais nova: além do físico franzino, ela sofre de um tipo de deficiência intelectual. Enquanto a entrevista com a avó transcorre, a menina tira a chupeta da boca do filho e passa a chupá-la ela mesma.
Silene e a avó vivem na cidade de Assis Brasil, um pequeno município acreano a cerca de 200 km de Rio Branco. Uma cidade que passaria despercebida não fosse por um dado cruel: Assis Brasil é o município com a maior taxa de fecundidade entre meninas de 10 a 14 anos em todo o país. Por lá, a cada 1 mil meninas dessa faixa etária, 200 ficaram grávidas ao longo da última década.
O quadro descrito pelas repórteres na cidade é o exemplo mais extremo de uma situação que se repete pelo país: no Brasil, a cada meia hora, uma criança dá à luz outra criança.
O problema é maior na região Norte, que concentra sete das 10 cidades com maior taxa de fecundidade entre meninas com até 14 anos. E tende a ser mais grave quanto maior for a distância entre a cidade de domicílio da criança e o serviço de abortamento legal mais próximo. Eles são poucos: há mais de 5 mil municípios no Brasil, e somente 76 serviços de abortamento em funcionamento, segundo apurou Azmina.
Viver próximo de um desses serviços ajuda, mas não garante que a criança grávida acesse seu direito à interrupção da gravidez. No Brasil, o aborto é legal em três hipóteses: quando a gravidez decorre de um estrupro, quando põe a vida da gestante em risco e no caso de o feto ter uma má formação cerebral chamada anencefalia. Toda relação sexual com uma criança menor de 14 anos, é bom lembrar, é estupro. As meninas grávidas, portanto, deveriam acessar seu direito à interrupção legal da gravidez sem dificuldade. Os dados mostram uma realidade distinta: na cidade de São Paulo e arredores, por exemplo, há nove hospitais que realizam o serviço de abortamento legal. Mesmo assim, a cidade registrou mais de 5 mil nascimentos, entre 2014 e 2023, frutos de gestações infantis.
Em tempo: em 2021, Brasil de Direitos conversou com Helena Paro e Cristião Rosas, da Rede de Médicos pelo Direito de Decidir, sobre acesso ao aborto do Brasil. Rosas trabalhou, nos anos 1980, no primeiro serviço de abortamento legal criado no país, na capital paulista. A dupla traçou uma crônica de como evoluiu (ou regrediu) o acesso a esse direito. Entre as restrições, relacionam o pequeno número de serviços disponíveis, falhas na formação médica, insegurança jurídica para que os profissionais trabalhem e obstáculos impostos por valores conservadores. Vale ler.
Memória, verdade e reparação
De acordo com os familiares das vítimas, a Comissão Nacional da Verdade, instaurada em 2012 para investigar os crimes da ditadura, ignorou a repressão aos trabalhadores rurais. Eles querem que essa omissão seja corrigida. “O Estado deu um passo importante, mas os camponeses ficaram fora”, afirma a historiadora Luzia Canuto, de Rio Maria (PA), que perdeu o pai e dois irmãos assassinados. “A nossa região é muito violenta e virou um local de silenciamento”.
Pelo menos 1196 trabalhadores rurais foram mortos ou desapareceram durante a ditadura civil-militar no Brasil. O dado consta em um levantamento feito pela Comissão Camponesa da Verdade que, no começo dos anos 2010, trabalhou para jogar luz sobre a aliança forjada entre os militares e grandes proprietários de terra.
Para especialistas, a aliança entre ditadura e grandes proprietários ajuda a explicar o histórico de violência fundiária no Pará, que soma casos ainda hoje.
Defensor(x)s em foco
A Brasil de Direitos, você já sabe, é uma plataforma de notícias sobre direitos humanos construída de forma colaborativa. (Quase) todo mês, nossa equipe editorial se reúne com organizações de defesa de direitos atuantes no Brasil inteiro. São esses grupos que, junto com nossos jornalistas, definem quais serão as pautas publicadas no site.
Nessa seção, a gente faz um giro pelo do trabalho dos parceiro da plataforma 😉
Vivências LGBTQIA+ no cárcere
O evento é gratuito e acontece no Museu da Diversidade Sexual – Centro de Empreendedorismo e Pesquisa —Avenida São Luís, 120 – República. Inscrições pelo site do ITTC.
Guia para o cuidado interseccional
Encarceramento em massa e política de drogas são duas questões indissociáveis no Brasil. O país tem, hoje, a terceira maior população carcerária do planeta. Quase 30% dessa população foi presa sob acusações relacionadas ao tráfico de drogas.
Sabendo disso, o Centro de Convivência É de Lei decidiu aproximar duas discussões que, curiosamente, pouco se tocam: a da redução de danos e da justiça criminal. O resultado foi o recém-lançado Guia para o Cuidado Interseccional .
A publicação reúne uma série de boas práticas que apontam como os princípios da redução de danos no consumo de drogas podem orientar a elaboração de políticas públicas capazes de garantir direitos e combater o encarceramento.
Criado em 1998, o Centro de Convivência É de Lei trabalha com pessoas afetadas pela política de drogas na perspectiva da Redução de Danos, em especial na cidade de São Paulo. O Guia está disponível, para download gratuito, no site da organização.
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