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Brasileira ensina improviso contra traumas da imigração

Alex Vargem

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Não é raro que as oficinas ministradas pela paulistana Nadja Moraes terminem em choro. Os encontros duram dois dias inteiros e acontecem em Zurique, na Suíça, onde ela mora há mais de três anos. Lágrimas são corriqueiras: “Durante os workshops, muitas emoções vêm à tona”, explica Nadja, uma moça de 35 anos e cabelos negros encaracolados. O choro não surpreenderia não fosse por um detalhe: há mais de 17 anos, Nadja é palhaça. Em seus workshops tenta, através do riso e da improvisação, diminuir o desconforto — e amenizar os traumas — que imigrantes e refugiados enfrentam logo que chegam à Europa. 

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No campo dos cuidados a imigrantes, algumas profissões são recorrentes. Há enfermeiros e psicólogos, capazes de tratar os impactos físicos e mentais de uma experiência potencialmente traumática, a migração. Há também especialistas em relações internacionais, advogados e assistentes  sociais. Nas últimas décadas, ganharam espaço profissionais que trabalham com arteterapia e que tentam, por meio de variadas formas de arte, ajudar imigrantes e refugiados a superar traumas e estreitar vínculos. 

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Nessa frente, há instituições já veteranas, como a Clowns Without Borders (ou Palhaços sem Fronteiras). Criado em 1933 em Barcelona, na Espanha, o grupo atua em mais de 40 países, sobretudo naqueles hoje em conflito. Há também o grupo “Pallasos em Rebeldía” (Palhaços em Rebeldia), criado pelo artista espanhol Iván Prado, e que usa a arte para denunciar violações de direitos.

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Nadja segue estratégia parecida. Seus encontros colocam para interagir imigrantes de diferentes nacionalidades. São peruanos, mexicanos, alemães, somális e chineses. São também histórias de vida e de migração muito diversas: “Nas migrações, há dois mundos paralelos”, conta Nadja. “Há  os que migram com bons empregos e perspectivas favoráveis. E há os que estão na batalha por condições básicas de refazer suas vidas”. 

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A esperança é de que , ensinadas a improvisar, essas pessoas experimentem com menos dor a vida em um país estrangeiro. O aprendizado foi importante para a própria Nadja: “Quando me tornei imigrante na Europa, eu me sentia completamente inadequada, como se não pertencesse a lugar nenhum”, conta. “Entendi que esse era o momento mais importante para eu ser palhaça. Porque o palhaço é o maior desajustado que existe”. 

A chave, segundo ela, reside na resiliência do palhaço. Para fazer graça, o artista busca o erro: usa roupas largas, procura o absurdo. Tropeça e cai, de propósito — para logo depois levantar. “As quedas de um palhaço não são quedas”, diz Nadja. “São rodopios”. No palhaço, aquilo que é apontado como um erro — o andar claudicante, as roupas espalhafatosas — vira um trunfo. Para Nadja, algo parecido acontece entre imigrantes: “Quando nos tornamos imigrantes, parece que nos tornamos errados”, conta. “Não sei me comportar do jeito certo, falar do jeito certo. Isso, unido às dificuldades práticas do dia a dia, limita muito e desencoraja a integração”

Parte do trabalho nas oficinas consiste na realização de exercícios não-verbais. Em silêncio, se comunicando apenas com as expressões e o corpo, os participantes tentam se soltar e construir vínculos. A estratégia busca transpor uma dificuldade comum entre imigrantes, que nem sempre falam a língua do país de destino: “Você se vê num mundo onde, de repente, é analfabeto de novo. E, com estes exercícios de improviso, a gente trabalha a presença, o olhar, e dessa forma acessamos a nossa vulnerabilidade” , explica. “É a partir da vulnerabilidade que a gente se conecta com o outro”.

É assim, também, que Nadja se aproxima das pessoas que participam do workshop. No começo das atividades, às vezes acontece de parte do grupo demorar a se enturmar. Nadja viveu isso tempos atrás, numa atividade que envolveu um grupo de homens turcos: “Eles interagiam somente com homens. Quando cheguei para ministrar a atividade, me olharam de um jeito estranho. Havia uma questão de gênero forte”, conta. A saída foi usar o estranhamento a seu favor. Nadja dividiu a turma em duplas, que deviam se encarar sem dizer palavra. Parte das duplas era formada por um homem e uma mulher. “É um exercício que traz muitas emoções à tona”, conta. “Muitos relaxaram neste momento, se abraçaram e, a partir deste exercício, passaram a conversar mais. Inclusive com as mulheres,de forma mais harmônica e respeitosa”. Foi uma saída pensada de improviso, e que funcionou: “Nós, que utilizamos exercícios de improviso, nunca estamos despreparados para o desconhecido”, define.

Foto: A brasileira Nadja Moraes (arquivo pessoal)

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