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Como dialogar com o legislativo: organizações dão dicas de incidência política

Rafael Ciscati

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O diálogo dos movimentos sociais com o legislativo — as câmaras municiais, assembléias estaduais ou o Congresso Nacional —  é, frequentemente, truncado. “O Congresso muitas vezes parece distante. E ele de fato é”, afirma Leonardo Santana.  “Há empecilhos que tentam impedir a atuação dos movimentos sociais nesses espaços”. Leonardo fala por experiência própria: ele é membro da Coalização pela Socioeducação, grupo formado por organizações da sociedade civil para defender os direitos de adolescentes inseridos no Sistema Socioeducativo. Em agosto deste ano, ainda em meio à pandemia do novo coronavírus, a Coalização protocolou um projeto de lei na Câmara dos Deputados, em Brasília. O texto foi elaborado em co-autoria com 14 parlamentares eleitos, mas foi construído pela sociedade civil. Propunha medidas para proteger a saúde dos adolescentes privados de liberdade durante a crise sanitária.

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O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Seguridade e Família, mas não virou lei. “Mesmo assim, foi uma vitória muito grande. Sobretudo se pensarmos na conjuntura conservadora da casa”.  A conquista exigiu capacidade de diálogo. E estratégia para navegar em ambientes muitas vezes distantes da rotina dos movimentos sociais.

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Os caminhos para influenciar o processo legislativo foram pauta de uma conversa online organizada pela Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial (Idmjr) no final de outubro. Além de Leonardo, participaram do debate a coordenadora executiva da Idmjr, Giselle Florentino; e Elaine Paixão, da Agenda Nacional pelo Desencarceramento na Bahia. A mediação ficou a cargo de Monique Rodrigues, da Idmjr. As três organizações compartilham preocuopações com os rumos das políticas de segurança pública implementadas no Brasil. E, nos últimos anos, buscaram estreitar o diálogo com vereadores, deputados e senadores, de modo a pautar a elaboração dessas políticas.

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“A Idmjr inicia esse debate de incidência politica há mais ou menos um ano, porque percebemos a necessidade de influenciar nos processos legislativo”, explica Giselle. Por incidência, ela se refere a “um conjunto de ações e estratégias organizadas por movimentos sociais e organizações da sociedade civil com o objetivo de constranger, monitorar ou influenciar o desenho de políticas públicas, ações sociais e projetos políticos dentro ou fora das diferentes institucionalidades do poder público”, explica ela. Trata-se de um trabalho árduo, que envolve acompanhar de perto as movimentações do legislativo e conhecer seus atores: saber como pensam e como votam os parlamentares, de modo a abrir pontes de diálogo.

Reunimos algumas dicas — e dúvidas — compartilhadas durante a conversa.

 

Como entrar em contato com parlamentares?

Apesar de eleitos pelo voto popular, nem sempre os membros do legislativo — municipal, estadual ou federal — estão disponíveis para ouvir as demandas dos eleitores. Elaine Paixão conta que, no caso do legislativo baiano, dois caminhos funcionaram. O primeiro, mais artesanal, consistiu em entrar com contato com assessores parlamentares, um a um, em busca de audiências. “Foi um trabalho difícil. Que fizemos, muitas vezes, via redes sociais”.

O outro caminho foi buscar as Comissões De Direitos Humanos. Elas têm algumas missões, tais como analisar propostas parlamentares e fiscalizar programas governamentais voltados à defesa e proteção de direitos fundamentais. “Elas são grandes portas abertas para as organizações sociais”, conta Leonardo Santana. “As comissões podem dar encaminhamentos e orientar como protocolar uma sugestão legislativa”.

Outra dica é buscar o auxílio de organizações da própria sociedade civil que já tenham experiência em incidência política. “Algumas organizações já contam com grupos especializados em incidência parlamentar”, diz Leonardo.

 

Crie um “ mapa político”

Ainda que a atuação do grupo aconteça em nível municipal, manter contato com todos os parlamentares é uma tarefa inviável — e pouco produtiva. Giselle Florentino, da Idmjr, explica que é importante criar um “mapa político”: identificar quais nomes têm conexão com a pauta que o grupo pretende discutir. E quais, dentre esses, têm maior influência. “É importante saber quais pautas são estratégicas para cada parlamentar”, afirma ela. “E entender que não devemos nos restringir a certos campos do espectro ideológico. Para passar uma proposta, precisamos de unidade na Casa. Isso significa ter de dialogar com a esquerda, com o centro e com a direita”.

Giselle conta que o trabalho de incidência política da Idmjr começou há pouco mais de um ano. O grupo é pequeno, o que força seus integrantes a se desdobrar em múltiplas atividades, e desenvolver estratégias que potencializem cada ação. No caso da Idmrj, a aridez do tema muitas vezes dificulta a aproximação com os parlamentares. “Mesmo os políticos progressistas fazem cálculos políticos. E poucas assessorias parlamentares topam um debate efetivo sobre justiça criminal”. Por isso, defende, é importante ter um mapa político “afiado”, que permita à organização identificar quem procurar a cada momento.

 

Do monitoramento à articulação

Leia o Diário Oficial. Para a Idmjr, a leitura diária da publicação é uma forma de acompanhar os projetos de lei pautados pelos parlamentares.  O documento informa todos os projetos de lei protocolados — quando ainda estão em estágio embrionário. A partir dessa análise preliminar,  é possível traçar um plano de ação.  “É a partir dessa leitura diária que a gente consegue fazer uma articulação direta com a pauta da semana da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)”, conta ela. “As estratégias que surgem a partir disso variam. Elas podem  envolver parcerias com assessorias parlamentares, ou podem envolver mobilização de redes de comunicação. Outras ações podem incluir constrangimento (pressão) público”.

Para garantir uma comunicação rápida com os parceiros, e permitir que todos estejam informados sobre as movimentações legislativas no campo da segurança pública, a Idmjr criou um boletim enviado por email. A newsletter De olho na Alerj é disparada semanalmente, toda segunda-feira. Quem tiver interesse pode se inscrever para receber a publicação.

 

Como engajar parlamentares

Segurança pública e justiça criminal são temas áridos, dos quais mesmo políticos progressistas se esquivam por temor de melindrar seu eleitorado. Mas outras pautas relativas à defesa dos direitos humanos podem também sofrer resistência. Sobretudo quando a discussão envolve a destinação de recursos do orçamento para medidas destinadas a garantir direitos. “No Congresso, ao falar de orçamento, temos de conversar na chave dos impactos financeiros. Se falarmos sobre direitos humanos, não há diálogo”, diz Leonardo Santana.

A lição é a de que dialogar com o parlamento, muitas vezes, envolve adequar a mensagem para despertar o interesse do interlocutor.  a Idmjr acumula algumas experiências bem-sucedidas nesse campo. Em 2020, tramitou na Alerj uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do estado que pretendia facilitar a fabricação e distribuição de armas no Rio de Janeiro. Em conjunto com organizações parceiras, a Idmjr organizou ações de pressão nas redes sociais, e divulgou uma carta aberta se opondo à proposta. O discurso foi adequado: trouxe informações sobre como as mudanças sugeridas pela PEC seriam onerosas para o estado.

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