COP30: “A Conferência das Partes precisa ouvir a parte do povo”
Para articuladora da Cúpula dos Povos, COP 30 pode se tornar marco da participação popular nas discussões sobre clima

Rafael Ciscati
6 min

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As Conferências das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COPs) correm o risco de fracassar se os líderes mundiais que elas reúnem persistirem num erro básico: a recusa em ouvir o que as pessoas mais afetadas pelas mudanças do clima têm a dizer. “Não são diplomatas que nunca pisaram numa comunidade que vão entender quais as nossas necessidades”, avalia Cleidiane Vieira, coordenadora do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) e uma das articuladoras da Cúpula dos Povos.
Marcada para acontecer entre os dias 12 e 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará, a Cúpula dos Povos espera reunir ao menos 10 mil pessoas em eventos e atividades paralelas à COP 30, que acontece na mesma cidade a partir do dia 10.
Na definição de Vieira, a Cúpula é formada pelos “movimentos em movimento”. A articulação surgiu em 1992, como evento paralelo à Rio – 92: justamente, a Conferência da ONU que daria origem à Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), o tratado internacional que criou a COP. Hoje, a Cúpula reúne mais de 1100 organizações da sociedade civil que atuam em pautas diversas e em todo o país.
Durante a COP 30 – e também depois do evento – o objetivo da articulação é dar visibilidade a propostas gestadas por movimentos sociais e territórios populares para combater a crise climática. Ideias, diz Vieira, que comumente ficam de fora dos espaços oficiais de negociação durante a conferência.
E que ressaltam a urgência do quadro atual: “As nossas bases deixam claro que é preciso investimento em adaptação climática”, diz Vieira. “ Vivemos, cada vez mais, eventos extremos. Queremos que esses debates saiam dos painéis com especialistas e incorporem as populações impactadas”.
Na avaliação dos organizadores da Cúpula, por não ouvir propostas vindas das bases, os países membros da UNFCCC falham na tarefa de promover avanços efetivos, capazes de proteger populações e territórios mais vulneráveis. Primeira conferência realizada em uma democracia depois de três edições em regimes fechados, a COP 30 abre “uma janela de oportunidade” para mudar essa trajetória, diz Vieira. “Nossa expectativa é de que a COP 30 possa ser um novo marco da participação popular”.
A COP30 será a primeira em uma democracia, depois de três edições realizadas em regimes fechados. Qual a expectativa?
A COP30 pode se tornar um novo marco de legitimação da participação social no debate climático, tal qual foi a ECO 92. Isso, claro, já é um imenso desafio. Nossa avaliação é de que, nos últimos 30 anos, a sociedade civil e os movimentos sociais foram pouco ouvidos nos espaços da Conferência. Mais recentemente, organizações ambientalistas e indígenas se empenharam para entrar nesses espaços. Os movimentos de base vêm fazendo o mesmo, por entender que o debate climático deixou de ser uma discussão teórica. Precisa ser um debate popular. Nossa expectativa é de que, nesse contexto, a COP 30 possa ser um novo marco da participação popular. Espera-se que o Brasil, na presidência do evento, atue como um propulsor dessas mudanças. Mas o Brasil, sozinho, não pode salvar 30 edições da conferência. Para essa mudança ser efetiva, o Brasil vai precisar da colaboração dos demais países.
Vocês diz que esse não é mais um debate teórico. Os eventos climáticos extremos dos últimos anos popularizaram a discussão?
Vivemos as consequências dessa crise muito claramente. Por isso, a conversa não pode ficar restrita aos especialistas. E não tem como falar sobre saídas para a crise sem envolver seus principais afetados. Hoje, são as comunidades negras, pobres, povos indígenas e tradicionais que mais sofrem com a mudança do clima. São as pessoas que menos contribuíram para o problema, mas que pagam a conta mais alta. Precisamos escancarar essa contradição, e apontar quem são os causadores da crise climática. É importante lembrar que essa crise é resultado do modelo capitalista de produção. Quem se beneficia desse modelo não quer pagar a conta.
Qual o objetivo da Cúpula dos Povos?
A Cúpula dos Povos é, na verdade, um conjunto de movimentos que se uniram na construção de uma frente que marcará presença em Belém. Ela só existe porque os movimentos sociais – como o Movimento dos Atingidos por Barragens, do qual sou uma das coordenadoras – estão discutindo política climática em suas bases. Belém será nosso momento de convergência. A Conferência abriu, para a agente, uma janela de oportunidade: a chance de discutir, em profundidade, um tema do qual ainda não tínhamos nos apropriado. Isso nos permitiu organizar nossas pautas e conscientizar nossas bases de modo a avançar. E as nossas bases deixam claro que é preciso investimento em adaptação. Vivemos, cada vez mais, eventos extremos. Às vezes, inundações; noutras vezes, secas severas. Por isso, queremos que esses debates saiam dos painéis com especialistas e incorporem as populações impactadas, que estão na linha de frente, e não podem pagar a conta. Esperamos reunir, ao menos, 10 mil pessoas em Belém. É possível que o número seja muito maior.
Uma crítica que se faz à COP é que as decisões tomadas na Conferência são discutidas entre representantes de governos. Há pouco espaço para participação da sociedade civil. Vocês estão em contato com negociadores brasileiros? Como garantir que suas propostas serão postas na mesa?
O caminho é longo. Mas temos consciência de que não é um quadro de diplomatas, que nunca pisaram numa comunidade, que vai entender quais as nossas necessidades de adaptação. Temos que construir as propostas aqui fora e pressionar. Além disso, a COP em Belém abre uma janela de oportunidade por ser uma conferência na Amazônia. Não faz sentido trazer essa discussão para cá e esperar que a população local seja plateia. A Amazônia não pode ser apenas palco. Ela tem de ser protagonista. A Conferência das Partes precisa ouvir uma parte importante, que é a parte do povo.
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