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Coronavírus evidencia vulnerabilidade de empregadas domésticas

Milca Martins

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Há cerca de duas semanas, uma moça chamada Amanda me enviou uma mensagem pelo whatsapp. Amanda é trabalhadora doméstica em Salvador.  Por quase três anos, prestou serviços na mesma residência – dormia na casa dos patrões de segunda a sábado. Esteve sempre à disposição da família que a empregava, numa jornada diária que se estendia para muito além das oito horas definidas por lei. No dia em que Amanda me procurou, ela acabara de ser demitida. A patroa manifestara sintomas da covid-19 – a doença provocada pelo novo coronavírus. Responsabilizou Amanda pela doença. Amanda usava o transporte público para chegar ao trabalho. Segundo a patroa, representava um risco para ela, que se isolara para se proteger. A empregada não recebeu verbas rescisórias nem o pagamento pelo último mês de trabalho.

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Histórias como o dela se tornaram comuns nas últimas semanas. Como secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico), e como fundadora do Coletivo de Mulheres Creuza Oliveira, trabalho para que essas mulheres tenham seus direitos assegurados. Os casos que me chegam, desde o início da pandemia, são variados. Há mulheres que foram demitidas. Muitas, dispensadas sem pagamento. Há aquelas cuja jornada  e salário foram reduzidos, mas que continuam a trabalhar, se expondo ao novo coronavírus. E há as trabalhadoras diaristas, sem vínculo empregatício, cujas diárias só são pagas nos dias de faxina. Empregada doméstica não pode fazer home office. Se não há faxina, não há salário.

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A vulnerabilidade dessas trabalhadoras é grande, e é anterior à pandemia. Há até bem pouco tempo, empregadas domésticas não tinham acesso aos mesmos direitos que os demais trabalhadores. Garantias como limitação de jornada e férias remuneradas foram conquistadas somente em 2013, com a chamada PEC das domésticas. Hoje, perdura uma concepção de que o trabalho domestico não é produtivo. De que não gera riquezas, como o trabalho de um operário. Nem movimento riquezas, como o trabalho de um banqueiro. O trabalho de uma empregada doméstica é invisível e desvalorizado.

A mesma invisibilidade, agora, parece se aplicar às suas necessidades de saúde. No último dia 17 de março, uma senhora morreu vítima da covid-19 no Rio de Janeiro. Ela trabalhava na casa de uma família que voltara há pouco da Europa e que, mesmo diagnosticada com o vírus, decidira não dispensar a trabalhadora. Na crise deflagrada pelo novo coronavírus, a vida de uma empregada doméstica vale menos que as demais.

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As razões para essa desvalorização são históricas. O trabalho doméstico surgiu nas senzalas. Chegou ao Brasil conforme mulheres negras eram sequestradas na África para servir a senhores brancos. Em Salvador, como no restante do país, a empregada doméstica tem cor: é a mulher negra, que ganha 1 salário mínimo por mês. É essa a cor de Amanda, demitida  em meio à crise.  É a cor de centenas de milhares de mulheres que atuam como faxineiras, babás, cuidadoras. Mulheres que, nas casas das famílias, são a companhia dos idosos, as professoras das crianças, as psicólogas que escutam queixas e lamúrias. Invisíveis, desvalorizadas, dão suporte às famílias, e condições para que construam seu patrimônio.
No meio da maior crise de saúde dos últimos 100 anos, é preciso reconhecer a importância dessas profissionais. E garantir que possam preservar sua saúde. Muitas são chefe de família. Sustentam seus filhos sozinhas. Ao longo das últimas semanas, o Sindoméstico Bahia lançou uma campanha nas redes sociais, incentivando patrões a liberarem as empregadas, preservando seu salário. Outras entidades pelo país fizeram o mesmo. Se você tem o direito de ficar em casa durante a pandemia, e continua recebendo seu salário nesse período, permita que a trabalhadora doméstica que você emprega faça o mesmo. É uma questão de humanidade.
Foto de topo: a secretária-geral do Sindoméstico Bahia, Milca Martins (Divulgação)

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