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Covid-19: jovens de Belém ensinam prevenção com humor

Rafael Ciscati

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Os bairros Terra Firme e  Guamá, na periferia de Belém (Pará) são separadas pelo Rio Tucunduba. Um curso de água bastante poluído e  geralmente pouco caudaloso, mas que enche e transborda no verão, quando chove torrencialmente. Nessas ocasiões, as crianças e pré-adolescente aproveitam para provar a própria coragem, e pulam da ponte que liga os dois bairros. Dar um pulo no Tucumduba, na gíria local é, a um só tempo, uma demonstração de loucura e de destemor. Já fazia algum tempo, os alunos da professora Lília Melo recorriam a analogia para justificar atitudes descuidadas com relação ao novo coronavírus, o sars-cov-2. “Se a gente pula no Tucunduba e passa bem, esse vírus não vai fazer mal nenhum”, diziam. A afirmação preocupava a professora.

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Há cerca de dois anos, Lilia firmou uma parceria com os alunos do bairro  para criar o Cineclube Terra Firme. O projeto recorre à arte para combater um problema antigo da região: a truculência policial, que resulta na morte de jovens negros. Ela e os alunos produzem pequenos documentários e organizam um circuito de saraus que se espraia pela periferia de Belém. O trabalho já lhe rendeu o prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação, e uma posição entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize — o Nobel da educação. Frente à ameaça do novo vírus, Lília percebeu que o projeto poderia se transformar, também, numa ferramenta de informação e prevenção em tempos de pandemia.

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Desde meados de março, Lilia e os alunos publicam, nas redes sociais, pequenos vídeos informativos sobre a covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Todo o material vem acompanhado pelo mesmo bordão: “Não te faz de lesa”, dizem os jovens diante da câmera. A frase de efeito foi ideia da professora: “Em Belém, é comum que as conversas terminem assim. Se alguém faz uma bobagem, outro já pergunta: ‘Tu ta lesa?’”, explica Lília. A expressão reproduz o jeito de falar da região —e contribui para tornar as mensagens mais atraentes.

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Até agora, o grupo publicou 10 vídeos, disponíveis na página de Facebook do projeto. A pauta  varia. Um deles ensina a lavar as mãos adequadamente, e lembra a importância do isolamento social: “Mano e mana, se te chamarem para ir numa festa, não vá”, dispara a apresentadora — uma das jovens alunas de Lília. Noutro, uma família inteira aparece diante da câmera para reforçar a importância de redobrar cuidados de higiene. O recado é dado em versos rimados. Há também um terceiro, que ensina a coreografia de uma das músicas da cantora Iza. É um vídeo com dicas para matar o tempo durante a quarentena. Nas redes sociais, a produção fez sucesso. Pais e mães comentam os vídeos publicados no Facebook do Cineclube. A iniciativa virou notícia no jornal local. “Hoje, o menino que dizia pular do Tucunduba é o mesmo que grava vídeos alertando para os perigos do coronavírus”, comemora a professora.


Segundo Lília, a estratégia do grupo funciona porque faz bem algo em que o poder público falha: adapta uma mensagem importante ao cotidiano de quem vive em periferias urbanas. Além do cuidado com a linguagem, os vídeos são adequados à realidade de uma população que vive em bairros muito populosos, onde é difícil adotar medidas de isolamento social.  “Nós, que moramos na periferia, nem sempre podemos evitar aglomerações. Porque nossos cômodos são pequenos, e nossas famílias numerosas”, diz Lília. E onde as famílias vão precisar de auxílio financeiro para resistir à pandemia. “Os órgãos do governo falam pouco com a periferia. Há um certo descaso generalizado” diz ela. Essa distância, na avaliação da professora, cria uma crise de credibilidade: “Quando a mensagem do governo chega, a população não dá atenção. Julga que não serve para ela”.

A inspiração para o Não te Faz de Lesa partiu de iniciativas semelhantes que surgem por todo o país. Desde que o primeiro caso de covid-19 foi confirmado no Brasil, em fevereiro, coletivos e organizações atuantes em regiões periféricas se mobilizam para pensar estratégias de comunicação e prevenção específicas para suas realidades. Nas redes sociais, parte do material é agrupado sob a hashtag #COVID19nasFavelas. As iniciativas reúnem materiais diversos: de funks que explicam, de maneira lúdica, a importância do isolamento social; a histórias em quadrinho que informam sobre ações do governo.

Além dos vídeos para internet, a equipe do Cineclube Terra Firme também organiza a arrecadação e distribuição de alimentos e material de higiene. As doações, conta Lília, vêm de toda a cidade: “Um dos principais resultados da inciativa, por fim, foi fazer essa ponte entre as pessoas da periferia e do centro.”

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