Em meio a pandemia, aumenta número de mortos durante operações policiais no RJ
De acordo com relatório da Observatório de Segurança RJ, letalidade em abril foi 58% maior que no mesmo período de 2019
Rafael Ciscati
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João Pedro Mattos Pinto tinha 14 anos e brincava com os primos quando a casa da família, em São Gonçalo, foi invadida por policiais civis. Sob o olhar atônito dos parentes, João foi baleado e levado pela polícia, a pretexto de lhe prestarem socorro. Nunca mais foi visto com vida. Cerca de 17 horas depois, o corpo de João Pedro seria identificado pelos pais no Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro. O adolescente foi uma das 17 vítimas feitas pelas polícias fluminenses durante a sequência de operações ocorridas do dia 15 ao dia 22 de maio em favelas do estado. As mortes são reflexo de uma tendência perigosa: indicam que, em meio à pandemia de Covid-19, as forças de segurança do Rio de Janeiro aumentaram o número de operações de repressão, e se tornaram mais letais.
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A conclusão consta em um relatório elaborado pelo Observatório de Segurança – RJ, divulgado na semana passada. Desde 2019, o grupo monitora as ações das polícias no estado. O levantamento foi feito com base em notícias de jornal e informações publicadas em redes sociais. Desde o começo da pandemia, segundo o documento, as polícias fluminenses fizeram dois movimentos: de início, a partir do dia 15 de março, reduziram o número de operações e concentraram esforços em ações de combate à Covid-19. À partir do começo de abril, no entanto, a tendência se inverteu: houve uma disparada no número de operações policiais em favelas e periferias, com número crescente de vítimas. O relatório contabilizou 30 mortos nas 55 operações realizadas naquele mês. Um aumento na letalidade de quase 58% em relação a abril de 2019.
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Na somatória, do começo de março ao final de maio, as polícias fluminenses foram responsáveis pela morte de 69 pessoas . Número semelhante ao registrado no mesmo período do ano passado, quando 72 pessoas morreram durante operações policiais. Naquele ano, a letalidade policial no Rio de Janeiro bateu recorde histórico: ao longo de 2019, foram 1810 pessoas mortas. Na maioria dos casos, havia o envolvimento de policiais militares.
Na avaliação do Observatório, os números mostram que as polícias fluminenses “se transformaram em instrumentos de terror”. “As operações não têm planejamento, são brutais, e só ocorrem nas favelas e periferias — onde moram, predominantemente, pessoas negras e pobres”, diz a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança Pública.
De acordo com ela, as políticas de segurança pública no Rio de Janeiro, hoje, se concentram em ações de repressão violentas, com pouco ou nenhum trabalho de inteligência e investigação. Esse processo de militarização é antigo, mas se acentuou nos últimos dois anos. A atuação lembra o discurso defendido pelo governador Wilson Witzel durante a corrida eleitoral de 2018. Na ocasião, Witzel defendeu armar as polícias, e afirmou que elas deveriam “atirar para matar”. Em novembro daquele ano, já eleito, Witzel disse que a polícia, sob sua gestão, iria “mirar na cabecinha”.
Na avaliação do Observatório, a atual política de segurança pública provocou aumento no número mortes e se provou ineficiente no combate ao tráfico de drogas. “O resultado de anos seguidos de operações policiais e mortes no Rio de Janeiro é um cenário onde as facções do crime dominam territórios da Região Metropolitana e têm expandido esse controle para o interior, mantendo nesses novos enclaves a prática de impedir a entrada da polícia por meio de confrontos. Angra dos Reis, Campos e Região dos Lagos, além da Baixada, passaram a presenciar tiroteios diários, que antes só ocorriam nas favelas da capital”, escreveram os pesquisadores.
Em meio à pandemia, operações policiais ainda aumentam a insegurança de grupos em situação de vulnerabilidade social. E põe em risco a atuação de coletivos e instituições que prestam auxílio à população. Na quinta-feira (21), uma ação de distribuição de cestas básicas foi interrompida por um tiroteio entre traficantes e policiais na Providência, centro do Rio de Janeiro. Rodrigo Cerqueira, de 19 anos, foi baleado e morreu.
Na avaliação do historiador Fransérgio Goulart, coordenador da Iniciativa Direitos à Memória e Justiça Racial (Idmjr), a escalada na violência das últimas semanas repete roteiro já conhecido: “Em momentos de grandes epidemias e pandemias, o Estado potencializa as violações. E as forças militares exercem essa função”, afirma. Segundo ele, as operações contribuem para o fortalecimento de grupos de milicianos: “Cerca de 90 % dessas operações acontecem em áreas dominadas por determinadas facções, que disputam os territórios com as milícias. As operações enfraquecem as facções para, logo após, facilitar a entrada das milícias”, afirma.
Foto de topo: Divulgação/PMERJ
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