Escola segura acolhe, inclui e respeita as diversidades, diz psicóloga
A psicóloga Ângela Soligo defende que, para combater a violência crescente nas escolas, é preciso diálogo aberto sobre os conflitos que surgem no ambiente escolar
Avante - Educação e Mobilização Social
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Foto de topo: Jaine de Amorim – Ceagro (PR)/ Acervo Fundo Brasil Publicado, originalmente, no site da Avante
“Uma escola segura não é aquela que tem muros altos e grades fortes, e sim aquela em que cada pessoa é respeitada na sua singularidade, sem medo de ser quem é”. Esta afirmação dá o tom da entrevista concedida para a Avante – Educação e Mobilização, pela Doutora em psicologia, Ângela Soligo, que atua como docente colaboradora da Faculdade de Educação da Unicamp.
Ângela defende que o enfrentamento das violências em contexto escolar, que têm ganhado contornos cada vez mais preocupantes em nosso país, perpassa romper com o silenciamento dos conflitos nas escolas, o que significa discutir e problematizar a fim de promover a construção de novas perspectivas que pautem o respeito às diversidades, “condição imprescindível para que haja, verdadeiramente, inclusão”.
Ela ressalta a corresponsabilidade de professores e gestores na promoção do bem-estar, a importância do trabalho cooperativo – escola-família, com diálogo aberto e a não culpabilização mútua. Além disso, pontua a necessidade de suporte à escola para lidar com questões que envolvem a promoção do bem-estar e da saúde psicológica dentro da comunidade escolar.
Ângela aponta que a Lei 13.935 institui a obrigatoriedade dos serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes públicas de Educação Básica. “As escolas têm direito aos serviços de psicologia escolar e devem reivindicar esse direito”, destaca. Entretanto, ainda que o Fundo mencione o atendimento à Lei 13.935, por meio dos 30% destinados para manutenção e desenvolvimento da Educação, os recursos do Fundeb não são suficientes para atender todas as demandas da educação básica.
Avante – Como a Educação para Diversidade (antirracista, anti-capacitista, anti-LGBTfóbica etc) pode contribuir para uma escola mais acolhedora, segura e inclusiva?
Ângela Soligo – A Educação antirracista, anti-machista, anti-LGBTQIAP+fóbica, anti-capacitista, é condição imprescindível para que haja, verdadeiramente, inclusão. Porque só se realiza, realmente, inclusão, acolhimento, quando se enfrentam os muitos preconceitos que marcam a nossa cultura e que se reproduzem na escola. Uma escola segura não é aquela que tem muros altos e grades fortes, e sim aquela em que cada pessoa é respeitada na sua singularidade, sem medo de ser quem é. Onde se garanta a aprendizagem de todos, onde a vida, na pluralidade, seja objeto de reflexão e valorização.
A violência racial está nas escolas, assim como a violência de gênero e outras questões que são estruturais/sociais. Como a escola pode pautar e conduzir essas questões? Qual o papel da gestão e da coordenação pedagógica nesse enfrentamento?
As violências racial, de gênero e orientação sexual estão na sociedade e na escola, porque a escola é parte dessa sociedade. É papel da escola – professores e gestores – o seu enfrentamento, e isso só é possível por meio do ensino que problematize a vida, a realidade concreta. Ensinar conteúdos é papel da escola, tanto quanto torná-los significativos, quer dizer: o conhecimento científico deve dialogar com a realidade, produzir desnaturalização e estranhamento de crenças cristalizadas e preconceitos. Isso promove cidadania.
Muitas pesquisas sobre violência escolar têm denunciado a omissão da escola no enfrentamento cotidiano das violências. É preciso romper com a omissão, o silenciamento e apagamento dos conflitos, porque nada disso faz com que eles desapareçam. Trazer ao debate, discutir, problematizar sempre é promover a chance de construir outros olhares, formas democráticas de convivência escolar. Particularmente na questão racial, o ensino de história da África e africanidades, preceito legal, é produtor de perspectiva antirracista. Escamotear, boicotar – o que tem sido recorrente no país – não é apenas descumprir uma lei federal, é reproduzir institucionalmente o racismo que, na escola, impede educação igualitária e produz sofrimento a crianças e jovens.
Como promover uma perspectiva de corresponsabilização pela promoção do bem-estar nas escolas entre as/os professoras/es e gestores?
A corresponsabilidade de professores e gestores na promoção do bem-estar é princípio legal, está na constituição, na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que instituem e educação para a cidadania, a escola como lugar de proteção. Isso implica diretamente em dois fatores: valorização do trabalho da/o educadora/or e formação inicial e continuada.
O que está ao alcance da comunidade escolar quando falamos de enfrentamento às violências que ocorrem dentro das escolas?
Não dá para separar a responsabilidade de professores e gestores da responsabilidade do poder público em garantir condições dignas de trabalho. Atualmente, cobramos muito do professor, mas desconsideramos as dificuldades que enfrenta para realizar seu trabalho – estruturais, carga horária, salário.
Por outro lado, é preciso garantir formação inicial e continuada. Cursos de pedagogia e licenciatura a distância têm crescido no país, em proporção inversa à sua qualidade. Formar professores e gestores é muito mais que acesso a conteúdos, e esses cursos deveriam ser prioritariamente presenciais, com atividades que incluem a pesquisa e a reflexão sobre a prática educativa. Quanto à formação continuada, ela não deve ser restrita a cursos isolados. Deve ser parte da rotina escolar, formação em serviço, reflexão e apoio constante ao trabalho docente.
E falando em responsabilidade, incluo aqui as famílias, na perspectiva de trabalho cooperativo escola-família, com diálogo aberto e não culpabilização mútua. Isso precisa partir da escola – conhecer de fato a realidade das famílias e seus alunos, promovendo laços e ruptura de preconceitos.
É preciso acabar de vez com a falsa ideia de que a escola ensina e a família educa, porque esses dois elementos são indissociáveis. Juntas, escola e família educam e ensinam, e integradas têm mais chances de garantir bem-estar e convivência respeitosa.
Como a escola pública pode contar com suporte de psicólogos na condução de questões relacionadas às violências?
A lei federal 13.935 institui a obrigatoriedade dos serviços de psicologia e serviço social nas redes públicas de Educação Básica. Atualmente, estados e municípios estão em fase de regulamentação da lei 13.935. As escolas têm direito aos serviços de psicologia escolar e devem reivindicar esse direito.
É importante salientar que esses profissionais não estarão na escola ou no sistema educativo para “solucionar” problemas individuais. É preciso romper com a patologização das questões escolares.
Psicólogos escolares atuam nas equipes escolares, com seus conhecimentos de desenvolvimento e aprendizagem, desde a organização do projeto pedagógico, discussão e definição de estratégias de ensino-aprendizagem e avaliação, considerando as distintas necessidades de alunos e professores. Colaboram na definição de estratégias de enfrentamento dos preconceitos e violências e na relação família-escola.
Psicólogos são apoio aos docentes e gestores escolares na promoção do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos e da convivência escolar. São aliados da escola na promoção da saúde psicológica – que é muito mais que ausência de doença mental. Saúde psicológica envolve cognição, afeto, corpo e relação; envolve a capacidade de perceber as próprias potencialidades e dificuldades, assim como de seu grupo, de buscar ajuda e construir estratégias de enfrentamento e mudança. Saúde psicológica é processo, não estado. E a escola é um lugar privilegiado na promoção da saúde. A psicologia é aliada da escola nesse processo.
Avante – No que se refere ao financiamento desses profissionais, psicólogos e assistentes sociais, como é possível garantir essas contratações?
Ângela Soligo – Na época da discussão do FUNDEB, nós fizemos esse debate sobre financiamento da lei, junto com os profissionais da educação. Num primeiro momento, o pagamento de profissionais de psicologia e serviço social para atender a lei estava dentro dos 70% que são pagos aos profissionais de educação. Mas, por um processo de discussão, que foi longo, um debate que não foi fácil com o próprio campo, nós ficamos nos 30% do FUNDEB. Então, o Fundeb menciona o atendimento à Lei 13.935, garantindo o pagamento de profissionais de psicologia e serviço social. Nós estamos nos 30% do FUNDEB.
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