Existe racismo reverso?
Só pode ser piada. Depois de séculos de produção de movimentos sociais e da academia, sabemos que falar de racismo de negros contra brancos é desonesto - e um desserviço
Maria Teresa Ferreira
5 min
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A temática racial é um assunto que não se esgota. A cada dia, tanto a academia como os movimentos sociais, cada qual dentro das suas perspectivas, trazem valiosas contribuições para entendermos esse mecanismo de opressão chamado racismo.
Mulheres e homens, negras e negros, antes do século XIX já questionavam a hegemonia branca. Elaboravam e produziam assim, sob perspectiva histórica, econômica, social, cultural, filosófica, artística, literária — e sem esquecer do olhar da psique sobre a construção da imagem do povo negro pra si e para a sociedade — inúmeras outras respostas e vias de entendimento para combater a violência com que as estruturas racializadas atravessam a vida das pessoas negras.
Nomes como Léopold Sédar Senghor, Aimé Cesaire, Nelson Mandela, Martin Luther King, Franz Fanon, Kabenguele Munanga, Angela Davis, Patrícia Hill Collins, bell hooks, Achille Mbembe e Grada Kilomba, por exemplo, formularam conceitos e resgataram olhares de fundamental importância para luta antirracista no mundo. Pensando na linha histórica da formulação e construção do pensamento negro no Brasil, Luís Gama, André Rebouças, Manoel Querino, José do Patrocínio Francisco Solano Trindade, Virginia Leone Bicudo, Carolina Maria de Jesus, Abdias Nascimento, Maria de Lourdes Vale Nascimento, Clóvis Moura, Milton Santos, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Conceição Evaristo, Neuza Santos Souza, Sueli Carneiro, Jurema Werneck, Silvio de Almeida, Djamila Ribeiro, Carla Akotirene e mais uma série de mulheres e homens, negras e negros, desde o século XIX já se dispunham a pensar esse país na perspectiva negra e afro centrada.
A organização do povo negro vem sendo responsável por nos fortalecer, nos manter aquilombados e cada dia mais conscientes de que nossos passos vêm de longe. Antes de Palmares, já estávamos organizados para lutar pela liberdade, autonomia e independência das pessoas negras. Saltando para os movimentos antirracistas nos EUA e Brasil, como o Movimento Black Power, Fundação do Partido dos Panteras Negras, Movimento Black Soul, Fundação do Bloco Ilê Aiyê, Movimento Negro Unificado (MNU), UNEAFRO, Coalizão Negra por Direitos e os muitos movimentos de mulheres negras espalhados pelo Brasil, vem refinado nossa capacidade de organicizaçao e alinhamento aos tempos como eles se apresentam.
Definitivamente, há muita informação sobre racismo disponível. Com a internet e o alcance das redes sociais, elas triplicaram. Há uma infinidade de teses de mestrado e doutorado em faculdades e universidades, públicas e privadas que versam sobre o tema e todas as suas interseccionalidades.
O objetivo de escrever esse texto é claro, afirmar categoricamente que racismo reverso não existe, baseada nos principais nomes da luta antirracista no Brasil e no mundo.
Então qual a razão de ainda nos deparar com um artigo que vai na contramão de estudos e pesquisas de importantes personalidades da cena intelectual da contemporaneidade? Simples: porque existe um movimento constante que perpetua a narrativa hegemônica da branquitude,que busca subalternizar as pessoas negras para manter uma a estrutura que favorece os seus interesses e os mantém como sendo a norma.
Não faz sentido discutir racismo reverso. Sobretudo num momento em que políticas importantes para o combate ao racismo, como a Lei 10.639 que estabelece o ensino da cultura e da história afro-brasileiras e africanas nas rede de ensino estadual e municipal, o estatuto da igualdade racial, a política de cotas, a Lei nº 12.990 que diz respeito a reserva para negros de 20% de vagas em concursos públicos, vem sendo duramente combatidas e no último governo sofrendo ataques e um desmonte acelerado.
A ascensão das mulheres negras a cargos eletivos nos último pleito eleitoral revela que nossos passos seguem firmes e céleres na ocupação de espaços de poder e decisão para transformar, por dentro, as estruturas institucionais.
Essas conquistas são a parte materializada e inegociável dos esforços de homens como Zumbi e mulheres como Dandara para a liberdade, independência e autonomia do povo negro. Ignorar explicitamente vozes como a de Abdias Nascimento e ngela Davis, para formular teorias distorcidas e conceitos arcaicos, é uma tentativa clara de impedir o avanço das respostas da intelectualidade negra às distorções causadas pelo racismo, impedindo a emancipação da sociedade. É um desserviço à humanidade.
Nesse momento, invoco a sabedoria dos nossos ancestrais que, através do seu silêncio estratégico e das suas tecnologias de sobrevivência, na observação dos movimentos da vida e da naturez, avançaram silenciosamente, desenhando engenhosos mapas como os fios de cabelos de homens e mulheres em trançados de todos os tipos, caminhos que libertaram cativos e construíram quilombos.
Cá estamos e continuaremos seguindo em frente, como as águas de Oxum que contornam as pedras, contornaremos as hordas da ignorância e desaguaremos no mar de Yemanjá livres par sermos levados para onde quisermos ir pelos ventos de Yansã. Laroyê.
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