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“Guia” traz dicas para falar sobre direitos humanos

Publicação, que acaba de ganhar versão em português, faz recomendações para criar narrativas inclusivas, capazes de mobilizar (e conquistar) apoiadores

Rafael Ciscati

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por Rafael Ciscati
A linguista norte-americana Anat Shenker-Osorio, da Universidade da Califórnia em Berkley, costuma dizer que o mundo ” é feito de histórias, e não de átomos”. Há mais de dez anos, Shenker-Osorio se dedica a estudar como despertar o interesse das pessoas por uma história aparentemente em crise: a da defesa dos direitos humanos. A tarefa pareceu especialmente desafiadora a partir de 2017, ano em que os Estados Unidos elegeram Donald Trump à presidência. Como se opor às histórias contadas por um líder que estimula o divisionismo,diz defender valores familiares tradicionais, contraria ideais de justiça social e que ficou conhecido por declarações abertamente racistas?  “Conservadores são derrotados em debates centrados em valores”, defende Shenker-Osorio num dos primeiros textos do volume “Comunicação no contexto atual: um Guia para comunicadores progressistas”.

Lançado no final de 2017, o guia pode ser pensado como uma resposta de Shenker-Osorio aos desafios impostos pela ascensão de Trump. O texto condensa os resultados de suas pesquisas sobre como criar narrativas inclusivas. São aquelas capazes de conquistar novos apoiadores, ao mesmo tempo em que mobilizam pessoas já convencidas da importância de defender os direitos humanos. Em tom de manual, o volume traz 8 princípios práticos, amparados por trabalho acadêmico e exemplos de ações já testadas. 

O texto acaba de ser vertido para o português, numa tradução feita a muitas mãos por comunicadoras da Rede Narrativas — um coletivo formado, majoritariamente, por profissionais ligados a organizações sociais brasileiras. Seguindo o exemplo da versão norte-americana, a brasileira começou a ser preparada pouco depois da campanha eleitoral de 2018: “A eleição de Bolsonaro tinha levado ao poder um grupo que se dizia abertamente contra os direitos humanos”, lembra Laura Leal, coordenadora de comunicação do Instituto Alana, e uma das participante do esforço de tradução.  Segundo ela, era importante pensar o que fazer a partir dali. 

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O trabalho contou com a colaboração de Débora Borges, gerente de Relacionamento com a Sociedade do Fundo Brasil de Direitos Humanos: “O texto  é importante para o contexto brasileiro justamente porque, num momento de grande polarização, estimula a busca por valores compartilhados”, afirma Borges. “Essa busca está no cerne da defesa dos direitos humanos. Que afinal, valem para todas e todos”. 

Entre acadêmicos, Shenker-Osorio ganhou fama de ser “provocativa”. A reputação é reforçada pelo humor que ela emprega em suas palestras — é comum que ela faça piadas com figuras icônicas da direita anglófila, como Ronald Reagan e Margareth Thatcher — e por suas recomendações contraintuitivas.

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Segundo ela, os comunicadores progressistas precisam reajustar a maneira como contam suas histórias. O roteiro mais comum, ela explica, narra histórias a partir de problemas: falamos primeiros do que está errado, apresentamos propostas de solução e, então, conclamamos à ação. Essa receita de bolo tende a sensibilizar somente os convertidos: “As pessoas já têm muitos problemas, e não querem os seus”, afirma. Para ela, é preciso virar a narrativa de ponta cabeça, e construir histórias baseadas em valores comuns. 

Nessa busca, vale se apropriar de um vocabulário comumente associado a grupos conservadores.  Caso da “defesa da família”, por exemplo: “O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi vitorioso porque a comunidade LGBT+ promoveu um debate sobre compromisso e família”, defende. Ao falar de valores e sentimentos, a militância LGBT+ tornou sua mensagem mais acessível, e conquistou apoiadores.

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Shenker-Osorio também sugere uma mudança de tom ao descrever problemas. Segundo ela, é essencial ter clareza para apontar “heróis e vilões”: “Os salários não ficam mais baixos, simplesmente. Os empresários é que decidem pagar menos aos trabalhadores”, exemplifica.
O mesmo cuidado vale ao falar dos heróis. É importante contar as histórias das pessoas que lutam por direitos, acentuando seu papel como protagonistas.
“Martin  Luther King tinha um sonho, não uma reclamação”
O guia insiste, ainda, num ponto importante: segundo a autora, as narrativas mais competentes são aquelas que propõem uma mudança positiva. Para Shenker-Osório, de pouco adianta apontar erros sem sugerir soluções: “Um ‘não’ sem um ‘sim’ leva os ouvintes a pensar que estamos somente praticando a velha política de sempre”, escreve a autora. É importante tornar visível “o sonho”, a visão de mundo defendida pelas organizações e indivíduos progressistas.
O guia de Shenker-Osorio foi pioneiro numa lista de publicações que se seguiriam à eleição de Trump. Meses depois, sua mensagem seria reforçada por trabalhos semelhantes. Ainda em 2018, a Agência para Direitos Fundamentais da União Europeia publicou uma série de dicas sobre como falar a respeito de direitos humanos. E, no início de 2019, o britânico Thomas Coombes, da Anistia Internacional, lançou um “guia para comunicação baseada em esperança”. A mensagem fundamental se repete nas três obras: é importante falar sobre soluções.
Embora os princípios defendidos por Shenker-Osório valham também para a comunicação feita no Brasil, as tradutoras fazem a ressalva de que a publicação fala da realidade norte-americana, e traz exemplos que não podem ser perfeitamente transpostos para o contexto brasileiro: “O desafio, agora, é usar esse conhecimento para pensar a realidade brasileira”, afirma Leal, do Instituto Alana.
A publicação está disponível, para download, no site da Rede Narrativas. 
FOTO: Reprodução

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