Idadismo: como superar esse preconceito (nem tão) silencioso?
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O dia 15 de junho é marcado como o Dia Mundial da Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data faz parte do Junho Violeta, e foi instituída em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa para alertar a população sobre o tema, além de falar da negligência, violência psicológica e abuso financeiro: os tipos de violências mais praticados contra essas pessoas. Contra elas, pesam ainda outras violência de que não podemos esquecer, como aquelas resultantes da desigualdade social, miséria, pobreza e discriminação pela cor e pela idade.
Quero me debruçar sobre esse último e universal preconceito: a discriminação pela idade. Essa atitude preconceituosa e discriminatória conhecida por idadismo, etarismo ou ageísmo impacta a vida das pessoas e a visão estreita, em relação ao envelhecimento populacional, dos governos que, ao ignorarem essa realidade, ampliam o sofrimento dessa população ao não destinarem orçamento para implantação e efetivação de políticas públicas.
A ONU, no relatório publicado em março de 2021 intitulado “Relatório Mundial Sobre o Idadismo”, qualificou esta discriminação como um desafio silencioso, mas devastador para a sociedade. Como é apontado nesse documento: “a idade é uma das primeiras coisas que percebemos nas outras pessoas”.
Recentemente, em abril desse ano, a palavra “idadismo” foi incluída na nova edição do Dicionário da Língua Portuguesa. Essa visibilidade é importante para refletirmos quantas injustiças são geradas simplesmente pelo fato do indivíduo ter mais idade. Esse preconceito não acontece só com as pessoas com 60 anos ou mais — idade na qual a população brasileira é classificada como pessoa idosa. Já ouvi relatos de pessoas que estão a décadas de completarem 60 anos e que sofrem essa discriminação em ambiente de trabalho.
Se envelhecer é a coisa mais moderna que existe nessa vida, como nos brinda Arnaldo Antunes, em sua música Envelhecer, por que tanto preconceito?
Lembro-me de ser questionada por muitas pessoas quando decidi cursar o mestrado em Gerontologia. Velhice… Por quê? Como escrevo nas linhas iniciais da minha tese, a minha vida sempre foi marcada por velhos maravilhosos que me enchem de orgulho e que norteiam minha existência e, mesmo distantes, ou ausentes, direcionaram minha decisão em estudar o envelhecimento. Uns, desde a minha infância, como os meus avós. Pelo lado materno, tive a alegria de conviver avós centenários e guardo na memória a beleza de participar do envelhecimento deles, das conversas intermináveis com minha avó materna que me dizia com frequência: “minha filha eu não tenho leitura, mas me escuta.” Como não escutá-la? Tenho nesse caminhar ainda a referência da minha avó paterna. Mais silenciosa do que minha avó materna, mas que igualmente me presenteou com muitos ensinamentos. E do meu inesquecível companheiro de viagens: meu avô materno.
Também tive experiências riquíssimas quando cursei a minha graduação. Em minha turma, tinha o casal Arlete e Alberto, que decidiram fazer a faculdade no alto dos seus 70 anos. Persistência, dedicação, leveza e o desejo imenso de obter o conhecimento. Os obstáculos nunca eram vistos com empecilhos. Lições que não sei se eles se deram conta que nos ensinaram.
Agora me pego pensando por que estou falando dessas experiências pessoais? Será porque esses encontros entre gerações, que saboreei bem antes de conhecer o conceito de intergeracionalidade, ampliaram o meu olhar? Certamente!
A intergeracionalidade está prevista no Estatuto da Pessoa Idosa desde de 2003, em seu Artigo 3º, inciso IV, quando diz que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa: a viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio da pessoa idosa com as demais gerações. Esse vínculo também é garantido no Artigo 8º, do Direito à participação e integração comunitária, na Convenção Interamericana dos Direitos Humanos do Idoso, da qual teve o Brasil como primeiro signatário, em 15 de junho de 2015 e não ratificada pelo Governo Brasileiro, até a presente data, já apontava para a necessidade da promoção e participação da pessoa idosa em atividades entre gerações para fortalecer a solidariedade e o apoio mútuo como elementos essenciais do desenvolvimento social. 1
Como evitar a discriminação se os direitos não são assegurados? Por que o Estado brasileiro não investe para superarmos esse preconceito? O idadismo não pode ser visto somente como uma questão isolada, mas deve ser dada a amplitude que tem: uma preocupação pública. A plena inclusão, integração e participação na sociedade desse grupo populacional é o caminho para o aumento do protagonismo da pessoa que envelhece e o antídoto para tantas violações de direitos. O Brasil que queremos é um Brasil de direitos! A construção de uma sociedade menos idadista é possível.
1 – Vale destacar que esse documento se caracteriza como o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculante voltado para a proteção e promoção dos direitos das pessoas idosas e que dez países já realizaram a ratificação em seus territórios. No Brasil essa reivindicação vem sendo apresentada pela sociedade civil desde 2017.
* Lúcia SecotI é professora, mestre em gerontologia e consultora na área do envelhecimento e participação social. Foi presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI). Integrante da Comissão Arquidiocesana da Pastoral da Pessoa Idosa – Campinas/SP. Ex-vice-presidente do Conselho Municipal do Idoso de Campinas e ex-conselheira do Conselho Estadual do Idoso CEI/SP. Ex- Integrante de Comissões no Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
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