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Jovens mortos em Gamboa: polícia baiana é a quarta mais letal do país

Rafael Ciscati

9 min

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foto de topo: Felipe Iruatã

Correção: versão anterior desse texto dizia que as mortes aconteceram na periferia de Salvador. O texto foi corrigido. 

As polícias da Bahia estão entre as mais letais do Brasil. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, a cada 100 mil pessoas que viviam na Bahia, 7,6 morreram em decorrência de intervenções policiais. Naquele ano, o último para o qual o Fórum tem dados consolidados, as polícias da Bahia figuraram na quarta posição entre as que mais matam no país. Ficaram atrás das tropas do Amapá, Goiás e Sergipe. No mesmo período, a taxa média de mortalidade por intervenção policial para o Brasil foi de 3 mortes a cada 100 mil habitantes.

O cenário é pior em Salvador: na capital baiana, a taxa de mortalidade em decorrência de intervenções policiais chegou a 12,8 em 2020. Naquele mesmo ano, uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) apontou que 100% pessoas mortas por policiais na cidade eram homens negros — pessoas negras somam 79% da população do município.

>>Como criar polícias melhores

A atuação das tropas baianas voltou à discussão no começo deste mês: na madrugada do dia 1 de março, policiais militares mataram três jovens em Gamboa de Baixo, uma comunidade pesqueira numa zona central de  Salvador. De acordo com a Polícia Militar, os agentes atendiam a um chamado quando foram recepcionados por tiros e revidaram. A versão dos policiais constrasta com a história contada por moradores da região. Segundo eles, a Polícia Militar chegou atirando e disparando bombas de gás lacrimogêneo. Os três jovens mortos — Patrick Sapucaia(16), Alexandre Santos dos Reis (20) e Cléberson Guimarães(22) — teriam sido levados pelos policiais para uma casa abandonada e executados.

>>Qual o resultado das operações policiais no Rio de Janeiro

A ação policial foi seguida por protestos nas ruas de Gamboa, e por manifestações de repúdio à violência de Estado: “A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu”, escreveram, em nota, a Articulação de Movimentos do Centro Antigo de Salvador e outras entidades e organizações atuantes na cidade. Elas cobram que o caso seja investigado, e que os policiais envolvidos na operação sejam afastados. Leia a nota na íntegra ao final desse texto.

Violência em excesso

Nem sempre, mortes provocadas por policiais são ilegais: “Assim como não é correto afirmar que toda ação policial que resultou em morte é ilegal ou ilegítima, tampouco é prudente afirmar que todas as ações foram legais sem que tenham sido devidamente apuradas”, escrevem os pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para avaliar se a polícia faz uso desproporcional da força, alguns especialistas traçam uma comparação entre o número de mortes provocadas por policiais e o total das mortes violentas em uma região. Esse método foi proposto pelo sociólogo Ignácio Cano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — segundo ele, há sinais de que a polícia comete abusos quando as mortes provocadas por policiais representam mais de 10% do total de homicídios em uma dada região.

>>É possível contruir uma sociedade sem polícias?

É esse o caso baiano. Em 2020, policiais foram responsáveis por 17% das mortes violentas registradas no estado. O número fica acima da média nacional, de 12,8%. E indica uma piora em relação a 2019, quando as polícias baianas responderam por 13% dos homicídios intencionais registrados na Bahia.


Moradores da comunidade organizaram protesto contra as mortes. Segundo eles, noite foi de desespero  (Foto: Felipe Iruatã)

Para Ana Caminha, liderança  da Associação de Moradores de Gamboa de Baixo, as mortes da última terça-feira representam a continuidade de uma política de segurança pública que vitima pessoas negras e pobres. “É comum a polícia agir com brutalidade na Gamboa. Esses três são parte de uma lista maior: várias outras pessoas já foram mortas de forma brutal e covarde pela polícia na Gamboa”, afirma.

Ela conta que, nesta última quinta-feira (3), lideranças da comunidade e de movimentos sociais se reuniram com o Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos do Estado da Bahia (CEPDH). Representantes da Secretaria de Segurança Pública também participaram no encontro. Na ocasião, os grupos pediram a apuração célere do caso e a punição dos culpados. Para a semana que vem, movimentos sociais planejam um novo ato nas ruas de Salvador, em data ainda não definida.

 

Nota de repúdio à operação policial

Nota de repúdio à operação da Polícia Militar (PM) da Bahia que resultou em três mortes na comunidade pesqueira da Gamboa de Baixo, Salvador-Bahia. O caso aconteceu nessa madrugada, 1º de março de 2022.

A Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador e entidades abaixo listadas denunciam a operação da polícia militar da Bahia na comunidade pesqueira da Gamboa de Baixo. Foram executados sumariamente pela polícia os jovens: Patrick Sapucaia, Alexandre Santos e Cleberson Guimarães.

A violência policial permanece como prática corriqueira e naturalizada contra moradores da Gamboa de Baixo. Os depoimentos de testemunhas apontam que as mortes dos jovens não foram decorrentes de resistência e que não houve qualquer reação ou troca de tiros. A polícia não agiu em legítima defesa! Afirmamos que toda pessoa tem direito à vida, ao devido processo legal e a um julgamento imparcial, sendo inadmissíveis execuções arbitrárias como aconteceu.

Os corpos das vítimas foram removidos e o local das execuções foi alterado, impossibilitando, por óbvio, a apuração dos fatos.  Além das execuções e tiros aleatórios foram atiradas bombas de gás na Comunidade, de cima da avenida Contorno. A operação não se funda em qualquer mandado de busca e apreensão, como determina a lei!

A Polícia Militar da Bahia é considerada a mais letal do Nordeste e é líder em mortes por chacinas, segundo dados do relatório “A vida resiste: além dos dados da violência”, da Rede de Observatórios da Segurança. Esses números reforçam a política do estado de genocídio da população negra.

A Gamboa de Baixo é uma comunidade tradicional do início do século XX, autodeclarada comunidade pesqueira, classificada como Zona Especial de Interesse Social-ZEIS 5 na Lei Municipal no 9069/2016, Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador. Os (as) moradores e moradoras da comunidade são sujeitos de direitos e merecem respeito!

Uma ação violenta e arbitrária como essa não pode ficar impune! Exigimos o afastamento e responsabilização dos envolvidos. Que o Estado investigue criteriosamente as execuções e todas as demais ilegalidades causadas por seus agentes de segurança contra a comunidade da Gamboa de Baixo nessa madrugada, respeitando o protagonismo das vítimas e seus familiares.

Artífices da Ladeira da Conceição da Praia
Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo
Centro Cultural Que Ladeira é Essa?
Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho
MSTB – Movimento dos Sem Teto da Bahia
Coletivo Vila Coração de Maria
Grupo de Pesquisa Territorialidade, Direito e Insurgência (UEFS)
Grupo Margear – Faculdade de Arquitetura da UFBA
SAJU – Serviço de Apoio Jurídico da Faculdade de Direito da UFBA
MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas
Coletivo Resistência Preta
Coletivo Trama
Campanha Zeis Já
Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador
Residência AU+E (FA-UFBA)
Grupo de Pesquisa Ecologia Política, Desenvolvimento e Territorialidades (PPGTAS-UCSAL)
IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
Grupo de Pesquisa Territórios em Resistência (PPGTAS-UCSAL)
CONAM – Confederação Nacional das Associações de Moradores
Grupo de Pesquisa Lugar Comum (PPGAU-UFBA)
IDEAS – Assessoria Popular
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia
CEAS – Centro de Estudos e Ação Social
AATR – Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais
UNEGRO – União de Negras e Negros pela Igualdade
Convergência pelo Clima
ELO – Ligação e Organização
Monica Benicio – Militante de Direitos Humanos, Vereadora do Rio de Janeiro (viúva da Marielle Franco)
Grupo de Pesquisa Candaces (UNEB)
Núcleo de Estudos Afro- Brasileiros (UFRB)
Instituto do Negro Padre Batista (SP)
PIBID – POEEJA (UNEB)
Grupo de Pesquisa Educação, Desigualdades e Diversidade (PPGEDUC-UNEB)
Grupo de Pesquisa GPELCH (UNEB)
Grupo de Pesquisa FORINEJA (UNEB)
Grupo de Pesquisa DIVERSO (UNEB)
Grupo de Pesquisa GEPALE (UNEB)
Koinonia- Presença ecumênica e serviços- Bahia
REDE de Mulheres Negras da Bahia (REMNBA)
Lavoro – Grupo de Estudos e Pesquisas em gestão, trabalho e educação (UNEB)
GRAFHO – Grupo de Pesquisa, (Auto)biografia, Formação e História Oral (UNEB)
Grupo de Pesquisa sobre Pensamento e Contemporaneidade (PPGEDUC/UNEB)
Fondo de Acción Urgente para America Latina y el Caribe (FAU-AL)
Protection International América do Sul
Movimento Popular da Juventude (MPJ Salvador)

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