LGBTQIA+: Lutamos para ser quem somos e amar quem amamos
No mês do orgulho LGBTQIA+, organizações apontam recomendações de políticas públicas para combater a LGBTfobia que estrutura a sociedade brasileira
Acontece LGBTI+
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A trajetória de uma pessoa LGBTI+ no Brasil é frequentemente marcada pela estigmatização, humilhação, exclusão social, violência e negação de direitos, especialmente os Direitos Fundamentais, como a própria vida, simplesmente pelo preconceito enraizado em nossa sociedade. Esse preconceito, que chamamos de LGBTIfobia, decorre da rigidez imposta socialmente sobre quem devemos ser e quem devemos amar. Apenas pelo fato de nós, pessoas LGBTI+, não nos enquadrarmos no padrão socialmente referenciado na heteronormatividade, na binariedade e na cisnormatividade, temos nossos direitos violados de diversas formas.
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Isso é reflexo de uma sociedade que sustenta a LGBTIfobia estrutural, definida como um conjunto de práticas discriminatórias, institucionais, históricas e culturais, por uma sociedade que frequentemente privilegia a cis-heterossexualdiade em detrimento de outras identidades de gênero e orientações sexuais. De maneira sucinta, essa estrutura se refere à naturalização de pensamentos, falas e situações, já presentes no cotidiano brasileiro, que promovem, direta ou indiretamente, a discriminação e o preconceito contra a população LGBTI+, tanto na relação entre pessoas como também na relação entre LGBTI+ e instituições.
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Um exemplo da LGBTIfobia estrutural refere-se ao Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 234/2011, popularmente conhecido como “cura gay” e atualmente arquivado. Seu objetivo era anular a Resolução nº 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que veta qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados, assim como também veta a participação de psicólogos em eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
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É em vista desse tipo de cenário que o Brasil se constitui como um país extremamente inseguro para nossa comunidade, registrando uma tendência de crescimento no número de mortes violentas de LGBTI+ nas últimas duas décadas, com inúmeros crimes de ódio.
Entre 2000 e 2021, 5.362 (cinco mil e trezentas e sessenta e duas) pessoas morreram em função do preconceito e da intolerância de parte da população e devido ao descaso das autoridades responsáveis pela efetivação de políticas públicas capazes de conter os casos de violência. Esse aumento no número de mortes também está atrelado à articulação e à atenção que o movimento LGBTI+ tem dado a tal demanda, já que a violência sempre ocorreu historicamente, mas não se tinha um esforço de mensurá-la e combatê-la. Ainda assim, infelizmente é provável que ocorra uma significativa subnotificação do número de mortes violentas de LGBTI+ no Brasil.
Os dados citados acima foram levantados e divulgados em nosso Dossiê do Observatório de Mortes e Violência contra LGBTI+ no Brasil de 2021, e corroboram com a assustadora realidade descrita ao denunciar 316 mortes violentas de LGBTI+ no país. Isso quer dizer que, ainda hoje, 5 pessoas LGBTI+ morrem por semana apenas por serem o que são.
Nosso Dossiê “Mortes e Violências Contra LGBTI+ no Brasil” é resultado da parceria entre a Acontece Arte e Política LGBTI+, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) e outras organizações parceiras, e tem o intuito de denunciar as violências sofridas pela população LGBTI+, além de problematizar as condições de vida e de vulnerabilidade dessa população.
Em vista desse cenário, refletimos sobre as (in)condições de nos assumirmos no Brasil, de trazer à tona, de vivenciar tudo aquilo que está genuinamente dentro de nós. Quantas pessoas têm a real possibilidade e a coragem de sair do armário, de amar seus amores, de se autodeclararem quem são e de como se identificam?
Em 2022, estima-se que 2,9 milhões de brasileires de 18 anos ou mais se sentiram confortáveis em se autodeclarar como lésbicas, gays ou bissexuais com a primeira divulgação de dados sobre a orientação sexual da população brasileira, realizada pelo IBGE. Apesar disso, a própria Instituição afirma que os números podem estar subnotificados. Consideramos esses dados do levantamento frágeis tanto por desconsiderarem a sexualidade de pessoas trans como também pelas limitadas opções de resposta oferecidas: “Heterossexual”, “Bissexual”, “Homossexual”, “Outra. Especifique”, “Não sabe” e “Recusou-se a responder”. Além disso, chama a atenção o fato de 3,6 milhões de pessoas se recusarem a responder a pergunta sobre a Orientação Sexual, e a completa ausência de informações sobre identidade de gênero ou a existência de pessoas trans que seguem invisíveis frente ao estado brasileiro.
Em contraposição a este levantamento, cerca de 20 milhões de brasileires se identificam como LGBTI+ de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), o que chega a 10% da população brasileira. Essa enorme diferença entre os dados coletados nos sinaliza a insegurança em se autodeclarar LGBTI+ no Brasil e, possivelmente, a adoção de um critério sobre as pessoas para quem se declarar LGBTI+, tendo em vista que nunca sabemos qual será a reação de quem nos ouve, se vão nos acolher ou violentar.
São exatamente experiências como essas, vividas por pessoas LGBTI+, que evidenciam a LGBTIfobia social que ainda estrutura a sociedade brasileira. É por isso que ainda temos muito a fazer pela nossa comunidade no Brasil. Não dá pra desconsiderar que, mesmo em junho de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a LGBTIfobia como racismo LGBTIfóbico, observamos que, além dos retrocessos e desinvestimentos no enfrentamento à violência de gênero, as conquistas que foram alcançadas até aqui têm sido insuficientes para frear os recorrentes casos de violações de Direitos Humanos e a quantidade de assassinatos de pessoas LGBTI+.
Estamos fartos dessa narrativa de morte e violência! E é por isso que, em Junho, saímos às ruas, em milhares, para mostrar orgulhosamente que somos muitos, que estamos juntes e que lutamos por nossos direitos. Na contramão da vergonha, compartilhamos a alegria de ser quem somos e de amar quem amamos. E é justamente para possibilitar não só a vida de LGBTI+ mas também uma história de vida digna e preciosa que nós apostamos na construção e no investimento em políticas públicas voltadas às particularidades dos LGBTI+. É urgente a adoção de nossas recomendações políticas, expostas abaixo, para o combate a todas as formas de violência motivadas contra pessoas LGBTI+:
• Criar protocolos policiais unificados para enfrentamento da violência LGBTIfóbica no Brasil, considerando os limites de atuação dos municípios, estados e do governo federal, assim como a efetivação de políticas e ações para o correto atendimento e abordagem de pessoas LGBTI+ por agentes de segurança pública;
• Providenciar formação periódica e continuada para capacitação e educação de agentes públicos em todas as áreas, especialmente em órgãos de segurança pública, proteção a vítimas de violência, espaços destinados a mulheres vítimas de violência doméstica e em espaços estatais, a respeito da importância do acolhimento de mulheres lésbicas e das travestis e mulheres transexuais, respeitando suas especificidades e identidades de gênero autodeclaradas;
• Realizar campanhas públicas que incluam a diversidade LGBTI+, a fim de conscientizar sobre seus direitos, os impactos da LGBTIfobia e sobre os efeitos da criminalização da LGBTIfobia;
• Coletar e analisar dados sobre violências, tentativas de homicídio, assassinatos e violações de direitos humanos contra a população LGBTI+ por segmento;
• Combater a impunidade e a subnotificação de abuso e violência;
• Apoiar e incentivar o trabalho de monitoramento da violência com a celebração de parcerias com as instituições da sociedade civil que atuem na área;
• Garantir políticas específicas com atenção às necessidades das profissionais do sexo, moradores de favela e da periferia, pessoas em situação de rua, egressas do sistema prisional e aquelas privadas de liberdade e em sistemas socioeducativos;
• Implementar o Plano Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, com a observância da realidade específica de pessoas defensoras LGBTI+;
• Garantir, no âmbito das políticas públicas, a compreensão de proteção de comunidades ameaçadas, e não apenas indivíduos defensores de direitos humanos;
• Ampliar a estrutura e o orçamento do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas;
• Criar, no âmbito do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, normativa acerca da garantia e promoção da proteção de Defensores de Direitos Humanos LGBTI+;
• Criar e implementar medidas legais e políticas antidiscriminação, além de ações afirmativas/medidas positivas no campo da educação e do emprego, a fim de evitar que qualquer pessoa tenha que depender da venda de sexo como meio de sobrevivência devido à pobreza ou discriminação;
• Implementar locais de abrigo para as pessoas LGBTI+ expulsas de casa e/ou em situação de rua;
• Garantir, político-administrativamente, que os programas sociais, projetos, serviços e benefícios de atenção sejam acessíveis às travestis e demais pessoas trans;
• Incluir, no currículo escolar, temas ligados à educação sexual inclusiva e a tolerância à diversidade;
• Acatar, em todos os estados, os pactos federativos firmados de combate a violências LGBTI+;
• Efetuar os tratos internacionais e recomendações que versam sobre as violações contra a população LGBTI+;
• Cumprir as metas e propostas estabelecidas no plano nacional LGBTI+ e no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH).
No mês do Orgulho LGBT, nasce nosso Canal de Denúncias
Em junho de 2022, damos início ao nosso Canal de Denúncia sobre a LGBTIfobia. Nosso objetivo é coletar, principalmente, dados sobre as mortes de LBGTI+ e outros tipos de violência. Não pretendemos fazer um acompanhamento e/ou encaminhamento da denúncia para órgãos públicos ou outras ONGs, pois esse trabalho exige recursos humanos e financeiros que não temos disponíveis.
Para acessar o Canal de Denúncias:
https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/canal-de-denuncia/lgbtfobia/
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