Para pôr fim à violência, educação precisa combater desigualdades
Para Thaiana Rodrigues da Silva e João Felipe Salomão, com poucos funcionários e professores sobrecarregados, escolas têm dificuldade para prevenir agressões
Fabio Leon
23 min
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foto de topo: Agência Brasil
A frequência de ataques a escolas cresceu no Brasil: foram 18 casos entre fevereiro de 2022 e junho deste ano, segundo levantamento feito por pesquisadores da Unicamp. No caso mais recente, um rapaz matou dois adolescentes em um colégio em Cambé, no Paraná. O contexto se tornou tão alarmante que, em 11 de maio, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), realizou audiência pública com o tema “Violência na escola e contra a escola” que, segundo o site da casa legislativa, contou com um grupo de “mais de 100 pesquisadores de universidades e institutos de vários estados”, resultando na divulgação de documento propondo conjunto de ações para combater a violência estrutural nas escolas. Entre elas: controle de posse e circulação de armas, enfrentamento ao bullying, ações de mediação de conflitos, atividades continuadas de cultura, lazer e valorização dos jovens e política educacional baseada no respeito à diversidade.
A violência nas escolas brasileiras é uma questão preocupante que afeta não apenas os estudantes, mas a comunidade escolar como um todo. Ela pode se manifestar de diferentes formas, desde agressões físicas, ameaças verbais a comportamentos abusivos como o bullying. Seus motivos são diversos e complexos, mas incluem fatores como a desigualdade social, a falta de investimentos em educação e de diálogo entre os estudantes e professores, além da ausência de políticas públicas efetivas de prevenção à violência e o consequente acúmulo de funções por parte dos educadores, resultando num sentimento de incapacidade e esgotamento físico, mental e emocional diante de situações extremas.
Para produzir uma análise de conjuntura sobre a perspectiva das mais variadas formas de violência no ambiente escolar, Fórum Grita Baixada convidou a dupla de especialistas em educação, Thaiana Rodrigues da Silva e João Felipe Salomão.
Thaiana atua desde 2015 como professora da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. Formada em ciências sociais, leciona sociologia, filosofia e é mestre em ciências sociais pela pelo programa de pós-graduação da UERJ. João é formado em ciências sociais e sociologia política. Foi professor temporário na rede estadual da educação básica do Rio. Tem especialização em Ensino de Ciências Sociais e Educação Básica, pelo Colégio Pedro II . Desenvolveu o projeto “Cultura de Paz” em escolas públicas pelo Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu (CDNHI).
Vocês participaram recentemente de uma audiência pública na ALERJ sobre a questão da violência das escolas. Quais as impressões sobre esse evento?
Thaiana: Na minha percepção, foi negligenciada parte da comunidade escolar e o SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação). Instituições importantes para estarem nesse debate não foram convidadas e nem informadas sobre isso. Isso diz muito sobre como o Estado do Rio de Janeiro está lidando com essa situação. Foi uma sensação de ser uma ação de direcionamento político, de se fechar com um grupo e de não se pensar melhoras efetivas para a educação pública.
João: Esse tema dos atentados nas escolas repercutiu na imprensa e nos parlamentos de todo o Brasil. Aqui na ALERJ, dá para destacar pelo menos duas situações: a realização de pelo menos duas audiências públicas, uma chamada pela Comissão de Segurança Pública junto com a Comissão de Educação e outra chamada pela Comissão de Assuntos da Criança, Adolescente e Idoso e teve a apresentação de pelo menos umas dez proposições pelos parlamentares, entre projetos de lei, indicações. Em relação às proposições, eu classificaria em três tipos. Uma delas defende a presença de segurança armada nas escolas, com a presença de policiais na porta das escolas e também a instalação de equipamentos, como detector de metais, ou a promoção de determinadas ações como inspeção de mochilas. Um segundo conjunto de proposições foca em programas de mediação de conflito e promoção de cultura de paz. São programas que também estão voltados para a capacitação dos profissionais de educação, para identificação de casos críticos. E, por fim, um terceiro conjunto envolve aumentar a capacidade das escolas de lidar com esses casos através do incremento do seu pessoal. Nesse caso, resgatar a importância de porteiros, inspetores, assistentes sociais e psicólogos que são profissionais que já estão previstos em lei para estar nas escolas.
Thaiana: Nós trabalhamos com um quantitativo de alunos muito grande. Em uma das escolas onde trabalho, tenho 900 alunos em período integral e na outra mais 600. Então como se aplica essa logística? A gente tem um inspetor para uma escola de 600 alunos, não temos psicólogo, assistente social. O coordenador pedagógico não tem formação para estar ali. Tem problemas de violência muito relacionadas à estrutura do sucateamento histórico da educação. Mesmo na instituição privada onde estou, não se contrata assistente social ou psicólogo. Então, a gente vê frequentemente problemas de bullying, muitas vezes causado contra um estudante deficiente, ou porque o estudante é mais pobre do que o outro, e todos são de difícil resolução.
Isso acaba sendo uma grande oportunidade para empresas privadas que vendem segurança pública como sinônimo de simples instalação de detectores de metais, câmeras internas de TV. É uma evolução do processo de controle e militarização da vida.
Thaiana: Exatamente. Na instituição do setor privado onde trabalho, contrataram um segurança privado. No primeiro dia de trabalho dele, eu estava brincando com as crianças. E aí o segurança disse que elas “eram fofinhas, mas poderiam fazer muito mal”. Criou-se um ambiente de muita tensão nesse dia. Mas a violência não é produzida por eles, mas sim pela sociedade. Então uma sociedade que quer apenas ampliar uma vigilância, cria mais ações violentas por parte dos estudantes. Por que eles são violentos? Porque tem estudante que é espancado pelo pai até ele parar no Hospital Souza Aguiar. Eles são violentos porque estamos numa sociedade capitalista que não gera bens para todo mundo e eles se sentem rejeitados por não ter alguns bens. E, às vezes, não compreendem que aquele bem não é acessível para aquela classe. Então, existem outros debates que precisam ser feitos para se combater a violência de verdade, que é enfrentar a desigualdade social. Os estudantes são estimulados a competir. Precisamos olhar para esse modelo escolar secular e pensar o processo de emancipação dos indivíduos, da formação cidadã para o mundo do trabalho. Mas só se pensa o mundo do trabalho competitivo e não cooperativo.
Dentre as mais recorrentes manifestações de violência nas escolas, qual é a mais difícil de detectar e prevenir?
João: A violência tem diversas expressões. Ela está associada a diversos fatores. É preciso um estudo de comportamento para se detectar episódios de bullying, hostilidade, maus tratos em relação ao aluno, revolta muitas vezes mal articulada em relação à desigualdade e as opressões sofridas. Há também os confrontos armados em torno das escolas, depredação de patrimônio, agressão, automutilação, e até os casos mais raros, de grande apelo midiático, que são os casos de atentados nas escolas. Cada expressão da violência certamente demanda recursos simbólicos e materiais específicos para ser identificada e abordada. De todo modo, acabamos nos esquecendo que a escola em geral é um ambiente mais seguro do que outros espaços sociais. Ela ainda é muito mais um fator de proteção e prevenção da violência do que propriamente um fator de insegurança e promoção da mesma. Precisamos resgatar estudos que já estabeleceram a relação estatística entre uma maior oferta de serviços escolares e a diminuição das taxas de homicídio, por exemplo. Quanto maior a escolarização do indivíduo, menor é a probabilidade dele se envolver na criminalidade e cair nas malhas do sistema de justiça e também de sofrer um homicídio doloso. E ainda: a escola tende a ser uma instância de identificação de violências sofridas por crianças e adolescentes em âmbito doméstico, e de proteção e garantia de direitos, ao dar encaminhamento a casos observados de violência. Nós precisamos ter essa percepção para a gente não alimentar a ideia de prevalência de um pânico moral, que há em torno desses casos de violência que acontecem na escola.
Thaiana: Diante disso, também a gente precisa refletir sobre esses discursos que defendem o homeschooling. Nessa modalidade educacional, a criança e o adolescente não frequentam a escola tradicional. Em vez disso, eles são educados em casa, geralmente pelos seus pais, os quais participam ativamente do processo de formação intelectual dos seus filhos. O homeschooling defende que, ao ter aulas em casa, as crianças ganham mais segurança, conforto e qualidade, pois têm a atenção toda para elas. Ou seja, tem um grupo que empoderou esse lugar da escola como um lugar de violência para legitimar o homeschooling. Os estudantes, durante a pandemia, tiveram um déficit de aprendizado significativo e, além disso, um estudante que não sai do espaço doméstico, muitas vezes terá dificuldade de denunciar violências e maus tratos que sofrem dos pais, já que o ambiente familiar não é neutro em relação a violência.
E os professores? Eles também sofrem uma série de pressões e processos de desgaste em algumas salas de aula, que acabam se transformando, infelizmente, em ambientes hostis nos cotidianos desses profissionais, em função de todo um contexto de violência envolvendo os alunos.
Thaiana: Hoje, em pleno século 21, temos uma média de 40 a 50 estudantes por turma. Antes eram 20 estudantes em sala de aula. E isso foi sendo aumentado, sem uma justificativa e uma reflexão do processo ensino-aprendizado. Então, se eu quero fazer algumas atividades ou práticas pedagógicas com 40, 50 alunos, eu não consigo. Só vemos as salas aumentando o número de alunos, principalmente no Estado. Além disso, tem dias que o aluno escolhe não ir. Então, nós achamos que o aluno desapareceu, mas às vezes ele tá com problema de saúde e só vamos descobrir isso no Conselho de Classe. Muitas vezes, a estrutura escolar distancia o professor e o sobrecarrega. Precisamos fazer múltiplas avaliações. No caso do Estado, fala-se muito das recuperações paralelas. Mas como você vai recuperar o aluno que nem aparece na sua sala de aula? Então tem uma cobrança feita ao professor para ele não reprovar, dar uma nota que corresponda a média para o estudante conseguir avançar na vida escolar mesmo sem nenhum conhecimento. Isso desgasta muito o profissional que tem interesse em desenvolver o aprendizado do seu aluno para que ele realize o sonho de obter uma vaga de trabalho para quem tem nível superior. Se isso não acontece, você acaba mediando conflitos, porque o aluno não recebeu a educação adequada de comportamento dentro de sala, de interesse pelo conhecimento, pelo saber. O aluno, muitas vezes, não é mobilizado pela família a querer aprender, ele é mobilizado a tirar nota 100 ou não ficar em recuperação. Ele mata aula no corredor porque não tem inspetor. E a gente nem sabe o que está acontecendo com esse aluno. Muitas vezes é a forma como a instituição se organiza, dificultando a identificação desses processos de violência entre professor e aluno. Esse momento que a gente está vivendo é muito cansativo para o professor. Eu acho que o conceito de violência é um conceito que a gente trabalha enquanto sociólogo. Então temos violência psicológica, patrimonial, moral, física e sexual, dentro da perspectiva da Lei Maria da Penha. Essas violências são debatidas, mas muito pouco analisadas. Tem o pai que quando chega em casa, chama o filho de “seu burro, você não serve para nada”, “você tirou nota baixa”. Ele está produzindo uma violência, mas dificilmente ele para e reflete: “estou sendo violento com meu filho”. Então eu faço uma dinâmica, todo começo de ano com os estudantes, em que eles descrevem defeitos e qualidades sobre si mesmos. Eu já cheguei em uma turma em que 75% dos alunos só conseguiam descrever defeitos. Estamos construindo jovens que não são capazes de se identificar como bons, não têm um aspecto psicológico onde eles consigam nutrir toda a capacidade que eles têm. Também existem muitos trabalhadores que não têm o devido reconhecimento sobre seus afazeres, não é elogiado no seu espaço trabalho e acabam descontando suas frustrações em seus filhos. Esse processo de competição do capitalismo também influencia.
Um dos argumentos de quem defende a militarização das escolas, é que muitas delas vivenciam situações graves como a participação de alunos no tráfico e o fácil acesso a armas de fogo. Vocês concordam com essa afirmação?
Thaiana: Aí vem a questão da guerra às drogas, que algo que a gente precisa olhar de forma crítica. É algo que já está fracassado nos Estados Unidos. Temos uma série de estudos que demonstram isso. Mais uma vez é a questão da ausência de políticas sociais como, por exemplo, bolsas que garantam a permanência dos estudantes nas escolas públicas, ações governamentais que garantam opções de sobrevivência aos estudantes de ensino médio, de ensino fundamental. Se eu sou filho de uma mãe que ganha um salário mínimo e tenho quatro irmãos, eu não consigo ficar só estudando. Esse estudante vai entrar para o tráfico, porque ele vai tentar uma vaga de jovem aprendiz e muitas vezes não tem. Quando conseguem, eles vão ganhar R$ 400 por mês e o tráfico tá pagando R$ 200 por semana. Hoje um estudante da UERJ ganha uma bolsa-permanência de R$ 606 reais. Ou seja, entende-se que estudante de nível superior precisa de um recurso mínimo para ele permanecer na universidade. Por que essa reflexão não chega na educação básica, tendo em vista que os meus alunos são extremamente pobres? Outro dia uma aluna chorou comigo, na sala dos professores, dizendo que não copia a matéria porque ela não tem dinheiro para comprar o caderno, pois a mãe dela é muito pobre. O tráfico de drogas é um produto de uma sociedade que têm governantes se beneficiando desse caminho porque senão esse problema já teria sido resolvido. Muitos estudantes tentam ir para escola para sair desse mundo, até para não entrarem no tráfico de drogas, porque eles sabem que a morte é certa e rápida. Mas, às vezes, é um mercado de trabalho mais acessível para ele porque a sociedade onde estamos inseridos não quer ver um certo tipo de menino vestindo um padrão de roupas de marcas. Esses alunos são rejeitados, então dificilmente vão conseguir acessar o mercado de trabalho formal. A forma como o capitalismo e as políticas sociais estão organizados no Estado do Rio de Janeiro não é para facilitar o acesso do estudante pobre à escola. Porque ele precisa ter o vale transporte, o RioCard não funciona. Qualquer um pode ir nesses equipamentos que tem na Central do Brasil, que disponibilizam pra você tirar. Mas existe fila, burocracia, falta de informação. Alguns alunos falam pra mim que ficam duas semanas sem ir à escola porque o pai não tem como financiar o valor desse serviço.
João: Essa alternativa de proposta de militarização das escolas é baseada na ideia de que é preciso controlar militarmente os jovens adolescentes e crianças das classes populares. É um ato de criminalização da pobreza. O militarismo tem muita dificuldade em lidar com a diversidade nas escolas. São muitos relatos de escolas militares que controlam não só comportamento, mas controlam vestimenta, adereços, a leitura dos estudantes. O militarismo também tem dificuldade de lidar com uma gestão democrática nas escolas, que é uma alternativa que eu julgo muito necessária para você lidar com a violência cometida contra a escola não só a violência na escola. Se você puder envolver cada vez mais os membros da comunidade escolar, através da gestão participativa, você fortalece os vínculos da própria comunidade escolar. Uma escola militarizada também não é garantia de que ela vai resolver, de forma mais eficiente, as questões relacionadas ao sofrimento psíquico que muitas vezes estão na base da motivação e geração de violências contra a escola. Acho que se deve levar em conta o fato de que os agentes de segurança pública estão entre as categorias profissionais com os maiores índices de agravamento relacionados à saúde mental.
Segundo pesquisadores da USP, esses casos devem ser classificados como extremismo de direita, pois envolvem cooptação de adolescentes que se apoiam na ideia de supremacia branca e masculina e os estimulam a realizar os ataques. O processo de cooptação se dá por meio de interações virtuais. Qual seria a melhor forma para que os alunos tivessem uma convivência mais saudável com as plataformas da internet, evitando as más influências?
Thaiana: Tem várias questões embutidas nessa pergunta. Tem a questão da fake news, por exemplo. Já existem alguns recursos didáticos que a gente trabalha para construir uma aula falsa. A minha estagiária criou, e eu apoiei sob minha supervisão, um teórico, um método e uma teoria para fazer com que eles conseguissem ter acesso aos elementos criados especificamente para essa aula. Os alunos acreditaram. Alguns deles disseram que já conheciam a teoria, o pesquisador. A função da aula falsa era demonstrar o perigo de você acreditar em tudo que a mídia fala, de não ser crítico, de você não trazer reflexões sobre determinados argumentos. A gente reflete de forma crítica as fake news e todo o alicerce em que a internet vem sendo utilizada, especialmente para fins perversos. Hoje temos ações de criminalização de empresas que estão utilizando os dados das pessoas. A educação pode vir nesse lugar de formar um cidadão digital e crítico em relação a todas essas possibilidades da internet. A escola precisa ter essas ferramentas. Hoje em dia estamos com uma mudança de matriz tecnológica, onde, muitas vezes, o seu chefe vai te mandar tudo pelo Whatsapp e Instagram. Esses recursos estão atravessando a nossa vida e a gente tem que ensinar como utilizar. O problema das células fascistas que estão sendo criadas na internet, é algo mais difícil de combater porque muitas vezes elas estão sendo apoiadas por famílias de extrema direita, com um discurso muito conservador. Tem que ter uma problematização do que está sendo informado e como a escola e os profissionais podem contribuir para atuar nesse debate.
João: Eu acho que uma educação crítica da internet contribui num aspecto que é a relação entre a exposição às redes digitais, autoestima e situações de transtorno mental.Eu vi há pouco tempo atrás uma pesquisa nos Estados Unidos que mostra que há um um aumento de situações de depressão e ansiedade entre adolescentes, a partir do momento que há uma vivência massiva em redes digitais como o Instagram e Facebook . A exposição demasiada de redes digitais tem uma relação com um sofrimento psíquico. Outro desafio, que acaba sendo o extremo oposto, é como as escolas vão estar equipadas materialmente para poder fornecer esse acesso às comunidades pobres. Na pandemia, eu estava trabalhando na rede estadual de educação e aí eu precisava transmitir um conteúdo para a turma, até perceber que alguns estudantes não tinham conexão para abrir determinados materiais didáticos. Um pacote de dados para pessoas pobres significa uma internet de baixa qualidade que limita o acesso a redes, a aplicativos de mensagem. Você passa um conteúdo que envolve acessar um site e os alunos e alunas não tem dados suficientes e assim checar a veracidade de uma informação. Um terceiro desafio, é o próprio hiato geracional. Muitos professores que ficariam responsabilizados por fornecer essa educação crítica através da internet, não têm a habilidade com o mundo virtual que os jovens estudantes têm. Novamente voltamos a falar sobre a disponibilidade de recursos públicos voltados para a Educação. Porque pra equipar a escola, você precisa de recursos pra capacitar o professor, você precisa da formação continuada. E o profissional também precisa ter interesse nessa formação. Hoje esse processo de formação continuada é: “faça o curso”. Não pagam transporte para o deslocamento do curso nem alimentação e isso dificulta muito. Então, o profissional da educação se sente muito desestimulado.
Thaiana: Talvez estabelecer parcerias de projetos sobre esses temas com a universidade fosse mais eficiente para a atuação junto aos estudantes secundaristas. Ou mesmo cursos online ou outras atividades em que os alunos pudessem contribuir. Essa pauta é a mais importante e não a militarização das escolas ou gastos com equipamento de segurança, mas dinheiro pra ser usando com reflexão, na construção do pensamento crítico.
Tivemos a notícia, ocorrida há bem pouco tempo, de que algumas prefeituras da Baixada Fluminense, através de suas secretarias estaduais de Educação, e até em escolas públicas do Estado, adotaram programas pedagógicos de prevenção ao uso de drogas com a presença de policiais militares que palestravam sobre o tema nas salas de aula. Pouco se sabe sobre os resultados e objetivos alcançados com essa intervenção. Como a adoção dessa estratégia é vista por vocês?
João: Eu acho que uma parte dessa insistência tem a ver com a negligência às condições estruturais nas quais as escolas são enraizadas. A predisposição ao consumo irresponsável e arriscado de drogas está relacionada com vários fatores como um mercado de trabalho em crise, sofrimento psíquico, etc. Esse jovem vai encontrar nas drogas um prazer que lhe é negado cotidianamente. Falta uma discussão sobre as condições estruturais que levam a determinados comportamentos, então a gente cai na ilusão de que basta você enfatizar valores que eles vão se realizar na prática. Eu não sou contra a ideia de trazer a polícia para ficar próxima da escola. Se a gente for levar o pé da letra a ideia de que a educação é responsabilidade de toda a sociedade, então todos os setores sociais precisam estar envolvidos. Nas audiências públicas na ALERJ, por exemplo, foi muito cobrado uma presença maior das rondas escolares. É uma forma da polícia estar interagindo com a escola, sem necessariamente estar dentro da escola, mas de se estar fazendo a segurança do entorno e estar disponível caso aconteça alguma coisa. Tenho dúvida se o policial militar ou qualquer outro profissional que não tenha passado por uma formação pedagógica tenha os recursos para elaborar, conduzir e avaliar uma atividade pedagógica. Não se pode supor que pelo simples fato de que o policial, por ser o agente que mantém a lei e a ordem, e apenas por causa disso, esteja capacitado para transmitir valores relacionados à lei e à ordem dentro de uma instituição escolar.
Thaiana: Temos de falar sobre a importância de todas as políticas sociais estarem desenvolvendo os nossos jovens e estudantes. Existe um programa que chama Papo de Responsa (programa da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, que tem como público alvo adolescentes e jovens. Seu principal espaço de atuação é junto às escolas do Ensino Médio, públicas e privadas, na promoção de um diálogo “descontraído” sobre prevenção às drogas, violência e o papel do policial na sociedade) inclusive a (ex-vereadora) Marielle (Franco) foi em uma das escolas onde ele funcionava para legitimar essa ação. Eu recebi o Papo de Responsa na minha escola no ano passado e eles trouxeram reflexões muito importantes relacionados ao uso desenfreado do celular. Eles descreveram uma situação que envolvia tirar nudes ou filmar um ato sexual e quão arriscado seria passar o conteúdo para o seu companheiro ou para alguém que você tenha afeto ou confia. Isso foi problematizado por eles sobre como essa exposição íntima pode levar colegas de sala a cometerem suicídio. Porque tem a sua imagem, então você sofre violência moral, tem o seu corpo exposto por alguém que agiu de má fé e, através desse vídeo, que foi acessado, começam a vir as chantagens para não chegar na família, nos amigos. A criança ou adolescente se sente tão violentado que desiste da vida. É importante a gente trabalhar em parceria, mas tendo essa visão crítica da limitação desse profissional. Esse grupo da polícia que faz o Papo de Responsa estuda, dedica tempo e estudo pra isso. Se a gente não os educar como eles vão saber se proteger? Como eles vão saber até que estão cometendo crimes?
Texto originalmente publicado no site do Fórum Grita Baixada
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