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Pesquisa revela violências sofridas por mulheres negras na Amazônia paraense

Agência Diadorim

7 min

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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Em Belém, 47% das mulheres entrevistadas disseram ser discriminadas por LGBTIfobia, número que em Altamira sobe para 50%

por Camilla Figueiredo, da Diadorim

 

A Iniciativa Negra divulgou, em 28 de agosto, os resultados da pesquisa “Realidades Invisíveis: política de drogas, megaprojetos e a sobrevivência de mulheres negras cis, trans e travestis na Amazônia paraense”. O estudo revela dados sobre as violências enfrentadas por mulheres negras cis, trans e travestis usuárias de drogas ou que vivem em áreas vulnerabilizadas pela guerra ao narcotráfico em Belém e Altamira, no Pará.

Das 60 mulheres entrevistadas, 56,7% usam drogas lícitas ou ilícitas. A maioria delas é composta por mulheres pobres, negras, com baixa escolaridade e chefes de família. As condições precárias são evidentes: 63% das entrevistadas em Belém e 46% em Altamira têm renda de um a três salários mínimos, e muitas vivem em áreas sujeitas a enchentes ou em assentamentos precários.

Elas enfrentam diferentes tipos de violência. Em Altamira, 57% relataram agressão verbal e 33% violência sexual; em Belém, 20% sofreram violência psicológica e 20% tentativas de feminicídio. A discriminação LGBTfóbica também foi destaque, com 50% das entrevistadas em Altamira e 47% em Belém tendo sido vítimas desse tipo de violência.

A pesquisa ainda aponta a importância da mobilização comunitária para a proteção dessas mulheres, apesar das barreiras geográficas e logísticas que dificultam essa articulação, especialmente em áreas afastadas dos centros urbanos.

Impactos dos conflitos socioambientais

Na seção “Belo Monte: Uma Usina no Caminho e Nada Mais foi o Mesmo”, são destacados os impactos socioambientais da construção da Usina de Belo Monte em Altamira. A exploração do Rio Xingu, a expropriação de territórios e o reassentamento forçado de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas agravaram a vulnerabilidade das mulheres, que agora enfrentam isolamento e dificuldades de acesso a serviços básicos.

Muitas mulheres em Altamira relataram medo de denunciar abusos devido à falta de garantias de segurança e ao estigma por sua identidade de gênero, orientação sexual e uso de drogas. O estudo também evidenciou o impacto do abandono das mulheres pelos homens que trabalhavam na construção da usina, deixando-as como as únicas responsáveis pela criação dos filhos.

A pesquisa foi elaborada e produzida em março de 2024, por meio de análise bibliográfica e documental para o mapeamento da rede de proteção social para mulheres cis, trans e travestis no Pará e catalogação dos dados.

Todas as etapas foram acompanhadas por especialistas das áreas de assistência social, direito, sociologia e educação. Para as análises sobre o perfil socioeconômico, tipos de violência sofrida e acesso a serviços da rede de proteção social, foram aplicados questionários aliados a entrevistas semiestruturadas que pudessem apontar “insights” e caminhos para contribuir com o enfrentamento da violência e para a formulação de políticas de promoção do bem-estar das mulheres.

Ao final, o relatório da pesquisa inclui oito recomendações para formulação de políticas públicas, divididas nos eixos: implementação de políticas interseccionais, acesso a serviços de saúde e assistência social, proteção contra a violência, inclusão econômica e social, direitos humanos e acesso à justiça, políticas de descriminalização, mobilização comunitária e participação social, educação e sensibilização.

O material tem o apoio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Para ver o resultado completo, clique aqui.

Em conversa com a Diadorim, a assessora de advocacy da Iniciativa Negra, Dandara Rudsan, explicou o processo de elaboração e realização do levantamento.

DIADORIM — De onde surgiu a ideia para a pesquisa que está sendo desenvolvida? Por que foram escolhidos os municípios de Altamira e Belém?
DANDARA RUDSAN — O Território Amazônico Paraense tem se tornado fundamental na conjuntura nacional para pensar segurança pública, política de drogas, racismo, violência racial e de gênero, impactos socioambientais ocasionados por megaprojetos (como a instalação da Usina de Belo Monte em Altamira), o acirramento da violência na Amazônia provocados pela exploração e as disputas pelo território, que se desdobram em diversas espécies de conflitos socioambientais, além do tráfico transnacional de drogas, que coloca o estado do Pará como principal território utilizado pela rota da cocaína. Todos estes fatores têm gerado uma série de efeitos, como:  o aumento exponencial da população em regiões onde se instalam megaprojetos, com consequente fragilização de políticas públicas de assistência e proteção, a expropriação e deslocamentos forçados de comunidades, que são realocadas em Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), locais com assistência precária dos órgãos do Estado e que vêm se tornando territórios dominados pelo tráfico, com aumento de vigilantismo, chacinas, massacres, encarceramento e militarização.

Neste contexto, o corpo e a vida das mulheres amazônicas, cis, trans e travestis, sobretudo negras, quilombolas, ribeirinhas e indígenas, se faz ainda mais vulnerável, seja pela violência diretamente sofrida, seja pela falta de acesso a direitos civis e a políticas públicas voltadas para as especificidades de suas realidades. Nesta senda, os territórios vêm sendo atacados, destruídos e violados constantemente, como é o caso das Defensoras das Florestas no conflito com grupos envolvidos com a rota da cocaína, que invadem o interior da floresta amazônica, seja para fugirem das autoridades seja para movimentar o escoamento da droga, impedindo principalmente as mulheres lideranças de comunidades de atuarem na manutenção e defesa da floresta, a partir de seus saberes de sobrevivência ancestrais.

Além disso, no estado do Pará, podemos observar uma resistência da sociedade em tratar assuntos como: política de drogas sob a ótica dos direitos humanos, direitos sexuais e reprodutivos e direitos LGBTQIAPN+. Isso tudo revela um cenário conservador em relação a estas pautas, bem como mais um elemento que impacta a vida das mulheres cis, trans e travestis amazônicas.

DIADORIM — Quais são os principais desafios com os quais a equipe da pesquisa teve que lidar?
RUDSAN — O principal desafio tem sido a falta de dados do poder público no que se relaciona aos serviços de proteção e assistência social às mulheres usuárias de drogas, assim como as dificuldades de acesso aos territórios afetados por megaprojetos, dada as mudanças nas dinâmicas territoriais causadas pelos empreendimentos.

DIADORIM — Que dados chamaram a sua atenção?
RUDSAN — Um dos principais achados foi sobre a influência direta dos projetos de infraestrutura no processo de favelização no interior da Amazônia paraense, assim como suas relações diretas com o aumento da violência armada e a influência do narcotráfico nos territórios.

DIADORIM — Entre as mulheres negras usuárias de drogas ou que vivem em territórios afetados pela guerra às drogas e por conflitos socioambientais com quem conversaram, que particularidades são enfrentadas pelas mulheres trans e travestis?
RUDSAN — Ficou evidente que as mulheres trans e travestis estão minimamente organizadas no processo de resistência e se mantêm fora dos movimentos feministas de base. O baixo número de mulheres trans e travestis entrevistadas mostra como tanto o Estado quanto os movimentos sociais feministas de base estão alheios às realidades destas mulheres.

DIADORIM — Quais são os objetivos do levantamento?
RUDSAN — Pretendemos fortalecer e ampliar nossa rede de articulações e atuações locais a partir das lideranças e dos coletivos mapeados, consolidando a Iniciativa Negra como principal entidade parceira de coletivos e comunidades tradicionais na Amazônia paraense diante dos desafios da luta antiproibicionista antirracista.

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