PL da mineração em terra indígena impulsiona “economia da destruição”, diz Coiab
Para assessor jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), projeto de lei 191/2020 vai estimular garimpo e é inconstitucional
Rafael Ciscati
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Se for aprovado, o projeto de lei 191/2020 vai estimular a atividade garimpeira e provocar morte entre populações indígenas. A avaliação é do advogado Tito Menezes, assessor jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Na última terça-feira (15), o grupo publicou uma nota técnica criticando a proposta — que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais e a construção de hidrelétricas no interior de terras indígenas (TI). Na avaliação da Coiab, o PL “afronta a dignidade dos Povos Indígenas ao impor verdadeiro retrocesso social”.
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Menezes destaca que, nos últimos anos, a expansão do garimpo ilegal em terras indígenas na Amazônia provocou acirramento da violência contra esses povos. Em especial nas TI Yanomami e Munduruku. “A aprovação desse PL — que consideramos inconstitucional — vai levar essa economia da destruição para as demais áreas”, diz ele nessa entrevista à Brasil de Direitos. O texto, na avaliação dele, carrega ainda “uma série de problemas que desrespeitam a Constituição e outros compromissos internacionais assumidos pelo Brasil”.
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A abertura de terras indígenas à exploração econômica é promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. O PL proposto estabelece regras para essas atividades: segundo o texto, as populações afetadas pelos empreendimentos deverão ser ouvidas, mas não terão poder de veto. A elas cabe parte do lucro gerado pela atividade. Na avaliação da COIAB, a medida se choca com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de que o Brasil é signatário. Ela determina que povos indígenas e populações tradicionais têm direito à consulta livre, prévia e informada para opinar a respeito de empreendimentos realizados em seus territórios. “O PL transforma a consulta prévia em mera oitiva”, diz Menezes.
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Na semana passada, a Câmara dos Deputados decidiu que o texto deve tramitar em regime de urgência. De acordo com o governo, o conflito entre Ucrânia e Rússia deixou o Brasil sem acesso à potássio, usado na fabricação de fertilizantes. A solução seria explorar o mineral disponível em áreas protegidas da Amazônia. Levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) no entanto, mostra que somente 1,6% das jazidas de potássio requeridas para exploração estão em terras indígenas.
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Segundo Menezes, a Coiab e demais organizações indígenas pretendem dialogar com o Congresso para barrar o avanço do projeto. Se isso não for possível, devem levar a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Brasil de Direitos: O PL 191 pretende regulamentar a exploração econômica de recursos minerais em terras indígenas. Quais as consequências disso para os povos indígenas?
Tito Menezes: Os povos indígenas já sofrem, hoje, com o avanço do garimpo e de outras atividades econômicas ilegais. Em especial nas terras indígena Yanomami, Munduruku e Araribóia. E há uma grande omissão do governo federal, que não protege e nem faz respeitar esses territórios. A aprovação desse PL — que consideramos inconstitucional — vai levar essa economia da destruição para as demais terras indígenas, levando, consequentemente, a morte para esses povos. O projeto pretende erodir os direitos garantidos aos indígenas na Constituição. E isso traz prejuízos econômicos e para a organização social desses povos.
Você diz que o projeto é inconstitucional. Por quê?
O PL tem uma série de problemas que desrespeitam a Constituição e outros compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Primeiro, ele torna a Consulta Livre, Prévia e Informada — prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — numa simples oitiva. Afirma que os povos indígenas podem ser consultados sobre empreendimentos desenvolvidos em seu território, mas não têm poder de veto. Isso contraria o que diz a Convenção 169, ratificada pelo Brasil. Mas o PL é inconstitucional, ainda, porque representa um inconteste retrocesso social. A Constituição garante o direito à vida e à dignidade. Em complemento a isso, o texto defende os direitos originários dos povos indígenas, ao estabelecer que esses povos detêm o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Se aprovado, o PL 191/2020 vai restringir esse direito ao usufruto exclusivo desses territórios. O Brasil já foi referência na proteção dos direitos indígenas, mas hoje há uma desconfiguração.
A regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas é prevista na Constituição, no artigo 231. Em entrevista à Brasil de Direitos, a deputada federal Joênia Wapichana já chegou a dizer que esse é um “gargalo” do texto constitucional. Há um problema?
Esse artigo permite uma interpretação dúbia. Mas lá no seu parágrafo sétimo, ele fala expressamente que é vedada a atividade garimpeira em terras indígenas. [no parágrafo sétimo, o texto afirma que não se aplica às terras indígenas o que está determinado no artigo 174 da Constituição. Esse, por sua vez, afirma que o Estado “favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros”].
A própria Constituição traz à tona essa proteção [contra o garimpo]. Defendemos, ainda, um outro entendimento: de que a demarcação de terras indígenas é um direito originário, que antecede a criação do próprio Estado brasileiro. Entendemos que essa é uma clausula pétrea da Constituição e que, portanto, devem ser afastadas atividades que possam prejudicar o direito originário dos povos indígenas sobre esses territórios. No olhar da Coiab, o PL é inconstitucional, e estamos estudando todas as medidas cabíveis para nos opor a ele.
Que medidas são essas?
Não posso adiantar todas. Mas consideramos, por exemplo, levar essa discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Já há exploração de ouro em terras indígenas, de maneira ilegal. Regulamentar a atividade não seria uma maneira de controlá-la — e mitigar impactos?
Essa é uma ideia falaciosa. Há um problema com a legislação brasileira quando o assunto é mineração de ouro. A legislação é fraca, é bizarra. O artigo 39 da lei 12844 de 2013 afirma que, para que o ouro seja comercializado, basta uma autodeclaração de uma pessoa física afirmando que ele foi extraído de uma lavra que tem autorização para funcionar. Isso abre espaço para ilegalidades. A situação em que nos encontramos hoje, com avanço do garimpo ilegal em terras indígenas, de maneira destrutiva, é reflexo dessa legislação fraca.
Nos últimos anos, conquistas importantes para os povos indígenas só foram obtidas porque os movimentos recorreram ao judiciário. É sinal de que o diálogo com o Congresso e com o executivo é difícil?
Também queremos dialogar com o Congresso. Mas a Câmara aprovou, há pouco, a tramitação em regime de urgência desse PL. Sabemos que há resistência à noção de que é importante respeitar direitos indígenas. Por isso, as organizações indígenas aprenderam a buscar caminhos alternativos. Atuamos com incidência no judiciário e também no sistema interamericano. E acumulamos vitórias. Em 2020, a ADPF 709, que obrigou o governo brasileiro a se responsabilizar pela proteção dos povos indígenas durante a pandemia de covid-19, representou um marco no direito constitucional nacional.
Foto de topo: Victor Paiva / divulgação Opan
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