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LGBTQIA+: o que a sigla significa, e por que ela muda de tempos em tempos

Rafael Ciscati

9 min

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Quando pouco mais de 1100 ativistas chegaram à abertura da primeira Conferência de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais do Brasil, em junho de 2008, o movimento que os unia era conhecido, no país, por um acrônimo que, aos ouvidos de 2019, soa estranho: GLBT.

Era uma sequência de letras que, na ordem em que apareciam, desagradava Marinalva Santana, então militante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL):

“Diziam que a ordem dos fatores não altera o produto”, conta Marinalva,

lembrando das discussões em voga na época. “Para nós, o fato de “gays” vir na frente era uma questão simbólica relevante”.

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A briga era antiga. Nascido em 1978, o movimento LGBTI+ brasileiro foi conhecido, por anos, como “movimento homossexual” ou movimento “gay”. Simplesmente.
A alcunha refletia a realidade das organizações em atividade no período: no grupo Somos, o primeiro a surgir em plena ditadura, a maioria dos membros era do sexo masculino:

Por muito tempo, a gente entendeu que o termo “gay” contemplava todo mundo. Homens e mulheres”, conta o cientista social Rildo Veras, ativista do Grupo LGBT Sete Cores, de Pernambuco.

Esse posicionamento mudou conforme novos segmentos — e novas identidades — passaram a se organizar, para exigir visibilidade e cobrar a criação de políticas públicas específicas.

Se, em 1978, havia o “G”, hoje a sequência pode congregar mais de 9 letras — alguns defendem LGBTQQIAP+ (entenda o significado abaixo).

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No Brasil, a conferência de 2008 foi um dos passos cruciais nessa mudança de nomenclatura. O encontro, o primeiro realizado em Brasília e com dimensões nacionais, fora organizado ao longo de todo o ano anterior.

Era cercado por grande expectativa. Quatro anos antes, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos lançara o programa Brasil sem Homofobia, planejado para combater o preconceito e promover a cidadania LGBTI+:

“A ideia era aproveitar a Conferência nacional para definir quais ações tirariam esse plano do papel”, conta Marinalva, hoje coordenadora do Grupo Matizes, do Piauí.

Na época, ela participou da comissão organizadora do evento nacional.

A preparação para a Conferência foi cercada por debates acalorados. Cada estado deveria montar sua delegação de ativistas. E causava incômodo, a alguns segmentos, o número de delegados homens selecionados para o encontro.

Os homens gays correspondiam a 51% dos presentes. As lésbicas, a 28%: “Para a gente, essa presença masculina majoritária era um sinal de certo machismo no movimento”, afirma Marinalva.

“Por isso, nos organizamos para garantir presença feminina em todas as mesas de discussão. E cobrar maior visibilidade aos movimentos de lésbicas”. 

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A proposta de mudança da sigla surgiu quase espontaneamente: “Não foi uma discussão combinada antes do Congresso”, lembra Veras, do Sete Cores. “Mas havia grupos de lésbicas bem organizadas.

E elas deixaram claro que não estavam ali para ser invisibilizadas”. Votada em assembleia, a alteração foi aprovada com pequena vantagem.

Alinhou o acrônimo brasileiro ao usado nos EUA e na Europa. E, na interpretação dos presentes, indicou aos ativistas a importância de valorizar a presença e as pautas caras às mulheres do movimento:

“Durante o encontro, nós dizíamos ser contra o machismo e a homofobia”, lembra Marinalva. “A alteração fez juz a essa palavra de ordem”.

 

Por que a sigla LGBTQIA+ MUDOU?

A alteração feita em 2008, a mais recente a envolver uma votação num fórum nacional, não foi a primeira. E, na opinião de ativistas, dificilmente será a última: “Em 1978, tínhamos o movimento homossexual.

Em 1993, ocorreu o encontro de homossexuais e lésbicas. Em 1995, passamos a falar em movimento de gays lésbicas e travestis. Em 2001, entraram os bisexuais. Em 2005, passamos a usar a palavra transexual”, enumera Toni Reis, fundador do Grupo Dignidade.

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“Hoje, utilizamos LGBTI+”, resume, citando o acrônimo adotado pelo Dignidade e pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais (ABGLT). Com expressão nacional, a ABGLT reúne mais de 300 organizações LGBTI+ — é a maior associação do gênero na América Latina.

“O ‘mais’ indica que há pessoas com orientações sexuais e identidades de gênero que não aparecem nesse acrônimo. Como as pessoas agênero e as não-binárias, além de tantas outras”, explica.

Além de refletir a pressão de grupos específicos, a evolução na nomenclatura ajuda a contar como mudou a estratégia geral do movimento ao longo dos anos.

Quando surgiu, na década de 1970, a mobilização LGBTI+ cobrava uma revolução nos costumes:

“ A intenção de grupos como o Somos, o primeiro a surgir, era alimentar um debate contra a repressão sexual e contra o preconceito”, explica Veriano Terto. Hoje vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids(Abia), Terto participou do Somos por três anos, até a dissolução do grupo.

Segundo ele, novas pautas foram incorporadas com a redemocratização do país. Os ativistas passaram a entender que havia espaço, e necessidade, de pressionar o governo pela criação de políticas públicas para a população LGBTI+:

“Essa discussão tomou fôlego com a constituição de 1988”, lembra ele. Durante a constituinte, deputados sugeriram incluir na Carta que nenhum cidadão deveria ser discriminado por sua orientação sexual. A proposta não foi aceita.

A mobilização pelo reconhecimento de direitos ganharia mais destaque com o advento da aids. A epidemia, conta Veriano, evidenciou a necessidade de pensar estratégias para atender as especificidades de saúde de diferentes populações.

Cobrar a implementação dessas políticas exigia nomear seus públicos, e buscar maneiras menos estigmatizantes de se referir a eles: “A Aids implicou numa reconceitualização de identidades então marginalizadas”, diz.

Grupos de transexuais se uniram às mobilizações de gays e lésbicas, e a sigla se expandiu.

Hoje, termos e letras continuam sendo motivo de discussão — ainda que menos aguerrida que a de 2008. Para Reis, do Grupo Dignidade, são debates saudáveis: “Hoje, 25% da nossa população não se encaixa nessas letrinhas. E isso é muito normal”, diz.

Os ativistas ouvidos pela reportagem ponderam, no entanto, que cada nova adição impõe o desafio de explicar à sociedade qual o significado da letra recém-chegada.

Bem-humorado, Reis prevê o momento em que os muitos possíveis acrônimos cederão lugar para o “movimento da diversidade sexual”: “Porque, como dizia Foucault, a sexualidade é um oceano. Não podemos transformá-la num aquário”.

Para entender o que significa LGBTQIA+

Ao longo dos anos, a sigla mudou e se expandiu, acompanhando mudanças na estratégia política do movimento — e respondendo às reivindicações de diferentes grupos e identidades.

No Brasil, a ABGLT adota o acrônimo LGBTI+. Há quem proponha, fora do país, versões estendidas, como LGBTTIQQ2SA+. É um conjunto polêmico. Entenda o que significa cada letra:

L e G – Referem-se a “lésbicas” e “gays”

Quando surgiu no Brasil, o movimento LGBTI+ era conhecido como homossexual. Ou, simplesmente, “gay”. O entendimento, à época, era de o termo podia abrigar diferentes identidades. As lésbicas seriam incluídas na nomenclatura em 1993.

B- São mulheres e homens bissexuais

A letra entrou para a sigla brasileira em 2001. A compreensão de que a bissexualidade é uma orientação sexual é recente: remonta aos anos 1990.

Conforme lembra Marinalva Santana, do Matizes, o grupo hoje luta por maior visibilidade, e para desconstruir mal-entendidos — como o que sustenta que pessoas bissexuais seriam, na verdade, gays ou lésbicas indecisas.

T – Transexuais e travestis

Na América Latina, a primeira organização política de transexuais surgiu no Rio de Janeiro em 1992: a Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro (Astral).

O objetivo do grupo era impedir a prisão indiscriminada de travestis que ocorria na cidade, e se opor à violência policial. A letra foi adicionada à sigla geral do movimento em 1995.

Q – Queers

Entre alguns grupos de ativistas e intelectuais, discute-se se o temor designa um grupo de pessoas ou um campo de estudos (o da “teoria queer”)

As pessoas que se identificam como Queer, de maneira geral, entendem que termos como “lésbica” ou “gay” são restritivos. Segundo o Manual de Comunicação LGBTI+, o termo é mais comumente utilizado por “pessoas jovens, cuja orientação sexual não é exclusivamente heterossexual”.O “Q” também pode significar “questionadores”.

I- intersexuais

São pessoas que nascem com anatomia reprodutiva — ou uma composição de cromossomos — que não pode ser classificada como tipicamente masculina ou feminina. Há casos de genitália ambígua, por exemplo

Com frequência, pessoas intersexo passam por procedimentos cirúrgicos logo ao nascer, para eliminar essa ambiguidade. Antes dos 24 meses de vida, os médicos decidem se a criança será, na aparência, do sexo feminino ou masculino.

Muitas relatam não se adaptar ao sexo designado por meio dessa cirurgia.

A- Assexuais

Pessoas que não se sentem sexualmente atraídas por outros indivíduos.

Segundo a Rede de Educação e Visibilidade Assexual (Aven) é importante não confundir assexuais com celibatários: nesse último caso, a pessoa opta por não manter relações sexuais, ainda que se sinta esse desejo. Em algumas formulações da sigla, o A pode ser lido como “aliados”.

P – Aparece em algumas formulações da sigla, e significa pansexuais

“Pan” é um termo grego que significa “tudo”. As pessoas pansexuais se sentem atraídas por outras pessoas independentemente da identidade de gênero ou orientação sexual do parceiro.

 

Foto de topo: Registro da V Caminhada pela Paz do Grande Bom Jardim, em Fortaleza (Lucianna Maria da Silveira Ferreira/Cedeca-Ceará)

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