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Por que tem tanta gente presa no Brasil? Que bom que você perguntou!

Rafael Ciscati

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Pouco mais de 830 mil pessoas estão presas no Brasil hoje. Os números são da Secretaria Nacional de Políticas Penais e foram compilados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Indicam que, nos últimos anos, o país mandou para trás das grades uma população equivalente a da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba. A população carcerária brasileira é a terceira maior do planeta em números absolutos. Perde apenas para Estados Unidos e China. 

Em teoria, as sociedades prendem pessoas que oferecem risco à ordem pública. A ideia é tornar as comunidades mais seguras. Na prática, o caso brasileiro sugere que o superencarceramento aprofunda problemas e desigualdades sociais – sem, no entanto, trazer benefícios para a segurança pública.

A discussão dá o tom do novo vídeo da série Que bom que você perguntou!

Na produção, a equipe da plataforma Brasil de Direitos pede a ajuda  de ativistas para entender por que o Brasil prende tanto – e quais as consequências do encarceramento em massa para o país. 

O episódio, que abre a terceira temporada da série, foi gravado no Parque da Juventude, em São Paulo (SP). Ali funcionou, até 2002, a penitenciária do Carandiru. Em 1992, o Carandiru foi palco do maior massacre em presídios já registrado no Brasil: 111 pessoas foram mortas pelas forças de segurança. Desde então, o presídio se tornou uma espécie de símbolo da violência que ocorre em espaços de privação de liberdade.

Um país que prende demais

Secretária-executiva da Rede de Justiça Criminal, a advogada Janine Salles de Carvalho avalia que, no Brasil, as prisões são instrumentos de controle social. “Desde o Brasil colônia, é para a cadeia que a sociedade manda todos aqueles que são indesejados. Geralmente, a população pobre e negra”, afirma. Um olhar rápido para o perfil das pessoas encarceradas, afirma ela, dá pistas de que essa vocação segregacionista impera ainda hoje: 68,2% da população presa no Brasil é negra. 

Essa “sanha encarceradora”, pontua a advogada, não bastou para tornar o Brasil mais seguro. Números compilados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, ao longo da última década, o número de pessoas encarceradas no país disparou; o número de mortes violentas registradas no período, em contrapartida, se manteve estável.


Na avaliação de Janine, o Brasil prende muito, e prende mal. O ritmo do encarceramento acelerou a partir de 2006. Naquele ano, foi promulgada a atual  Lei de Drogas, que estabelece como devem ser punidas pessoas pegas consumindo, comprando ou vendendo drogas ilícitas. Segundo essa legislação, só podem ser punidas com a pena de prisão aquelas pessoas que portam drogas com fins comerciais – os traficantes. Quem consome drogas – o usuário – ainda comete um crime, mas não pode ser preso. “O problema é que essa lei não estabeleceu critérios objetivos para diferenciar quem é usuário de quem é traficante”. Na ausência desses critérios, fica à cargo da polícia ou da Justiça decidir, caso a caso,  quem é traficante ou não. Desde a promulgação da Lei de Drogas, o número de pessoas processadas como traficantes disparou. “A gente tem casos absurdos, de pessoas que foram presas com 3 gramas e maconha e acabaram presas por tráfico”, diz Janine. 

Uma a cada três pessoas presas no Brasil foi detida sob a acusação de delitos relacionados a drogas. 

Tortura estrutural

Coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional, a irmã Petra Pfaller aponta que as prisões atuais falham na sua principal promessa: a de ressocializar a pessoa presa. “É utópico acreditar que a prisão ressocializa alguém”, diz ela. Há quase três décadas, Pfaller visita estabelecimentos prisionais pelo Brasil, denunciando casos de tortura. Diz que, longe de resolver problemas sociais, as prisões acirram a violência. “O Estado empurra as pessoas presas para o domínio das facções criminosas [ que operam nos presídios]”.

A Pastoral Carcerária defende que, nas prisões brasileiras, existe um fenômeno chamado “tortura estrural”. Coordenadora jurídica da instituição, a advogada Mayra Ballan explica que ele é caracterizado pela normalização de situações que geram sofrimento e afrontam a dignidade da pessoa presa. “As celas estão superlotadas, as pessoas encarceradas recebem apenas uma refeição por dia. Muitas vezes, a comida vem estragada. E, mesmo assim, espera-se que elas fiquem bem, que não reclamem”, diz Mayra.

 Mayra Ballan e Petra Pfaller, da Pastoral Carcerária – nas prisões, tortura estrutural (Foto: reprodução)

Que bom que você perguntou!

A série Que Bom que Você Perguntou! foi pensada como um glossário destinado a facilitar conversas sobre temas complexos. 

A primeira temporada foi ao ar em 2021. Desde então, foram publicados oito vídeos que discutiram assuntos diversos: de racismo estrutural ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Assista aos demais vídeos aqui!

A terceira temporada da série começa a ser publicada neste dia 23 de novembro, na Brasil de Direitos e no youtube do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Até o dia 14 de dezembro, publicaremos um vídeo novo toda quinta-feira. Nessa temporada, Que bom que você perguntou! discute:

  • Por que o Brasil prende tanta gente?

  • O que é violência obstétrica?
  • Por que demarcar terras indígenas

  • Como fortalecer a democracia

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