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Por que voltamos às ruas

Maria Teresa Ferreira

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A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
Castro Alves

 

Eis que a pandemia nos tirou a rua, espaço onde o brado do bravo rasga o vento e estremece as estruturas do poder. Mas o (des) governo nos lançou de volta a elas. A ausência de políticas de emprego, alimentação e segurança, aliada ao avanço da própria covid-19, nos colocaram na encruzilhada da história: apesar do risco de contágio e morte, foi preciso retomar a organização popular e ocupar as ruas para reivindicar a vida. A nossa vida.

Participar dos protestos do último dia 29 me deixou esperançosa. Na rua, reencontrei amigos que não via há muito tempo. Matei saudade, mas não foi só isso: entendi que, apesar das distâncias, ainda nos reencontramos na luta. De braços dados (nesse caso, figurativamente, claro!). Novos protestos estão marcados para o próximo sábado, 19. Eles são, no mínimo, um marcador importante: se o povo vai às ruas no meio da pandemia é porque pesam, sobre esse povo, perigos maiores que o próprio vírus. Quando o povo vai às ruas é porque está morrendo. Não acredito que isso baste para pôr fim a esse (des) governo. Não sou tão otimista. Mas gera desgaste. E isso importa.

Mesmo assim, entendo quem teme participar das mobilizações. Longe de mim querer definir como as pessoas devem se posicionar. Confesso: tenho inúmeras perguntas e nenhuma resposta, mas me sinto provocada, pelo movimentar da roda caótica do mundo,  a levantar algumas reflexões.

Quarentena, isolamento social, home office. Medidas que poderiam nos assegurar alguma proteção na pandemia, depois de um ano e mais de 490 mil mortos, se confirmaram como privilégios de poucos. Há um contingente de pessoas que vive em situação de vulnerabilidade, e para as quais essas medidas de proteção não foram asseguradas. A pandemia expôs o abismo social que as sociedades contemporâneas vivem.

Defendemos confinamento ou bloqueio social, a restrição da movimentação das pessoas, e tudo isso é muito importante para tentar deter o vírus. Mas, ao fazer isso, quem estamos protegendo? Como garantir segurança àqueles de nós que precisamos sair de casa para trabalhar? Aqueles para os quais o home office não é uma possibilidade?

É preciso fazer mais. Fazer tudo o que o atual (des) governo não fez. Houve profundo descaso na criação de políticas de assistência social que pudessem garantir o mínimo para a sobrevivência das pessoas. Houve incentivo ao agronegócio que fez o PIB crescer, ao mesmo tempo em que o país — e as pessoas que vivem no país — amargam números recordes de desemprego. Houve políticas para o mercado, mas não para as pessoas.

A situação nos impôs uma contradição. Não ir as ruas pode ajudar a deter a propagação do vírus. Mas deixar de agir aprofunda a gravidade da pandemia na vida das pessoas. A pandemia é um problema coletivo. Mas seu avanço causas danos e dores muito individuais. Sofrem mais as pessoas negras, as mulheres, as pessoas que vivem às margens e nas periferias.

De todo modo, acho que não é preciso haver uma disputa entre quem quer ir para a rua e aqueles que não querem (muitas vezes, por impossibilidade, ou por um medo justificado). A disputa da narrativa “ vai ou não para rua” diminuiu nossa capacidade de perceber que existem outras formas de mobilização e digo mais, tem nos colocado uns contra os outros. É urgente que movimento social, entidades, sindicatos, associações passem a se organizar a partir daquilo que acreditam seja possível fazer. Todas as ações são relevantes e tem peso no sentido de mobilizar o conjunto da sociedade, no que as pessoas se dispõem a fazer. Lembre, vivemos numa conjuntura diferente de tudo que já vimos. A certeza é que o (des) governo é o inimigo comum.

É preciso olhar para todas as formas de manifestação e se engajar nelas concretamente, caso ir para rua se mostre perigoso. Sim o vírus, a aglomeração, pode nos levar ao abismo, à morte. Sair para trabalhar sem garantias mínimas de segurança, estar exposto ao desmonte das estruturas do estado, que em tese deveriam nos proteger e ainda conviver com o medo da contaminação também.

É preciso avaliar o que cabe para cada um dentro do que acreditamos como sendo a melhor opção de engajamento para que as necessidades do coletivo ganhem peso e sejam atendidas.

Penso que quanto mais pessoas assumirem o compromisso e a responsabilidade de se engajar colocando faixas de protestos nos principais pontos da cidade que mora, criando conteúdos e alimentando perfis nas redes sociais que denunciem o (des) governo e compartilhando iniciativas de protesto, maior será nosso alcance.

Uma certeza eu carrego comigo: fora da organização popular, vamos demorar mais para termos um país que valorize nossas vidas.

Foto de topo: Mídia Ninja

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