TI Yanomami: avanço no combate ao garimpo esbarra em falta de recursos
Paulo Teixeira de Souza Oliveira, coordenador de desintrusão do MPI, diz que situação humanitária na região melhorou, mas combate ao crime exige mais servidores e aeronaves
Rafael Ciscati
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Foto de topo: garimpo na TI Yanomami (Agência Brasil)
Para avançar no combate ao garimpo na terra indígena Yanomami, o governo federal precisa superar uma sequência de faltas: “É preciso mais recursos humanos, mais recursos materiais, mais eronaves”, diz Paulo Teixeira de Souza Oliveira, coordenador-geral de desintrusão do Ministério dos Povos Indígenas (MPI). No posto desde abril do ano passado, ele é hoje um dos responsáveis por coordenar o combate a invasores na maior terra indígena do país.
No começo de 2023, o governo Lula decretou situação de emergência sanitária no território Yanomami. Desde então, realizou uma sequência de operações destinadas a expulsar os garimpeiros da região. Dados divulgados em fevereiro deste ano pelo ministério da Saúde apontam que, apesar dos esforços, mais indígenas morreram em 2023 que no ano anterior: um aumento de 6%. E um estudo realizado pela Hutukara – Associação Yanomami indica que a área afetada pelo garimpo cresceu 7%.
Teixeira afirma que os números mostram uma verdade parcial. “Houve subnotificação de mortes em 2022, quando nós nem mesmo sabíamos quantas pessoas morriam na terra indígena”, diz, justificando as cifras piores de 2023. Já a taxa de crescimento do garimpo desacelerou. Segundo ele, os esforços do governo hoje envolvem tentar sufocar a logística do garimpo, controlando os voos e a circulação de combustível na região. “Mas trata-se de um território do tamanho de Portugal. É um processo penoso e demorado”.
Teixeira foi um dos convidados do Seminário de Proteção Territorial Indígena. Realizado pela Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), o encontro reuniu lideranças dos povos originários, representantes do governo e do terceiro setor em Iranduba, municípios vizinho a Manaus entre os dias 16 e 18 de abril. Segundo Teixeira, hoje todas as terras indígenas do país sofrem pressões de invasores, em maior ou menor grau. “Não há nenhuma terra indígena livre de ameaça”, afirma.
Para aprimorar os mecanismos de proteção a esses territórios, Teixeira afirma que o MPI pretende apoiar iniciativas de monitoramento já desenvolvidas pelos povos indígenas. A ideia, explica, é oferecer treinamento e equipamentos que permitam que as próprias comunidades registrem informações sobre o que ocorre no campo, de modo a qualificar as ações do poder público.
Há uma preocupação muito grande em relação à TI Yanomami, e relatos de que garimpeiros que tinham sido expulsos voltaram a atuar na região. O que deu errado?
Na verdade, não houve um retorno. A Terra Indígena Yanomami é um território do tamanho de Portugal. Você precisa ter forças de segurança, de fiscalização ambiental, de atuação indigenista para atuar numa área desse tamanho. Esse fluxo da entrada e saída do garimpo é muito difícil de ser contabilizado. O que acontece é que houve um decréscimo da expansão do garimpo. Temos um sistema de alerta de garimpo, e os gráficos mostram que a área afetada não se expande mais. Existem hoje ações da Casa de Governo para controlar o acesso à TI. Medidas já foram tomadas, como o controle do comércio de combustíveis e o controle de aeródromos. Esse sufocamento da logística do garimpo e a desarticulação faz com que essa presença garimpeira saia do território. Mas é um processo difícil e penoso. Não é algo que se resolva rapidamente. Houve incentivo do Estado, nos últimos anos, para essas atividades. E houve um descaso preordenado, que hoje procuramos reverter.
Os dados mostram que houve aumento no número de mortes registradas na TI ao longo do ano passado. A situação se agravou?
Esse aumento se deu porque havia subnotificação. Em 2022 [durante a gestão de Jair Bolsonaro], nem mesmo sabíamos quantos indígenas morriam. Agora, com a presença do Estado no território Yanomami, sabemos dessas mortes. Por isso o aumento do número. Mas a situação humanitária está muito melhor. Temos dados positivos, como a carência nutricional, que decaiu muito. O MPI garantiu, por meio da maior contratação de horas voo do governo federal atual, a entrega de cestas básicas em todo território Yanomami de Roraima – o território amazonense é mais tranquilo. As entregas começaram na segunda semana de abril e seguirão pelo período de 12 meses. É o tempo que entendemos necessário para que a Funai e o MPI executem ações que vão garantir autonomia alimentar para as populações da TI. Enquanto segue a cesta básica, a Funai vai entregar insumos, ferramentas agrícolas, sementes. Estará presente orientando a comunidade, para reestruturar a produção de alimentos pelo povo Yanomami.
Para avançar mais, de que vocês precisam?
Mais recursos humanos, mais recursos materiais, mais aeronaves.
Falta maior efetivo das forças de segurança?
Também. Houve um desmonte desordenado do Estado nos últimos anos. Precisamos recuperar esse passivo para ter uma quantidade suficiente de servidores, de meios e recursos financeiros, de tudo, na região. Você tem o ministério da Defesa no sufoco, atuando com os meios que pode atender. Tem a Polícia Federal, a Funai, uma junção de esforços. E a expectativa de que, com a contratação de novos servidores [para a Funai], a gente consiga vencer essa batalha. Em paralelo, há outras desintrusões em andamento. A terra indígena Munduruku está em vias de ser desintrusada ainda neste ano. Houve a desintrusão bem-sucedida das terras indígenas Trincheira Bacajá e Apyterewa, no Pará. Não podemos esquecer dos demais territórios.
Qual o número de territórios indígenas sob ameaça de invasores?
Hoje, não há nenhuma terra indígena que esteja livre de ameaças. Existe uma pressão fundiária no Brasil, por causa da história fundiária brasileira,e essa pressão atinge todas as terras indígenas. Umas em situação mais crítica, outras em situação menos delicada.
E como é feita essa avaliação quanto à gravidade da ameaça?
O processo de priorização foi feito no âmbito do comitê de desintrusão, um comitê interministerial criado por decreto do presidente Lula, onde tem assento o ministério da Justiça, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, ministérios da Defesa, Meio Ambiente, Direitos Humanos, Ibama. É um ambiente plural, onde tentamos identificar critérios objetivos de priorização. Os critérios foram debatidos e postos em votação. Cada um corresponde a uma pontuação específica. As terras com maior pontuação se tornam prioridade. São critérios como a presença de indígenas isolados, que constituem uma população extremamente vulnerável; a presença de garimpeiros, ou de desmatamento. São critérios objetivos, não priorizam essa ou aquela etnia, esse ou aquele estado.
Mais cedo, o senhor disse que o MPI pretende envolver os povos indígenas em projetos de proteção do próprio território. Quais os planos, e quem financiaria essas iniciativas?
A ideia é que sejam financiadas pelo governo. Queremos colocar consultores em campo para fazer essa oitiva qualificada das comunidades. Ouvir as demandas de proteção territorial das populações indígenas, sistematizá-las e encaminhá-las para a Funai. Seria uma soma ao trabalho que a Funai já faz. Em paralelo, com a sociedade civil organizada, vamos analisar propostas [de projetos voltados à proteção territorial], e debater essas propostas com os povos indígenas. Faremos a aproximação da sociedade civil com as comunidades. E os povos indígenas, diante de sua autonomia, vão tratar diretamente com essas instituições para implementar e executar projetos de segurança territorial.
Que tipo de projetos vocês esperam incentivar?
Somos muito firmes em relação ao papel do indígena nisso. Nosso foco é na questão da informação qualificada. A intenção do MPI não é colocar o indígena na condição de executor da segurança pública. Não vai fazer papel de polícia. Queremos que as comunidades tenham meios e instrumentos [ para fazer monitoramento], como quadriciclos para percorrer seu território; maior inclusão digital, para que possa se comunicar com os órgãos do governo; que elas passem por processos de capacitação, que lhes deem noções de georrefenciamento; além de várias outras iniciativas nessa linha. A ideia é que a própria comunidade sente e, dentro de sua autonomia, produza a informação que é necessária para que órgãos como o MPI e a Funai possam cumprir melhor seu papel.
O papel da comunidade será gerar informação para subsidiar denúncias?
Para subsidiar denúncias, estudos, conhecimento sobre os pontos mais sensíveis dos seus territórios, sobre frentes invasoras. Oferecer um norte melhor para os órgãos, importante para o planejamento de atividades de desintrusão e para a execução desses planos.
Isso já está em andamento?
Os editais [ para contratação de consultores que trabalharão com os povos indígenas] ainda não foram lançados, mas já está tudo planejado dentro da secretaria de Direitos Ambientais do MPI. Foi uma orientação da própria ministra seguir essa linha, de modo a ser um elemento de aproximação com a comunidade. Nada disso substitu o papel dos órgão públicos que já têm essa função. O objetivo dessas consultorias será produzir materiais que contribuirão com a atuação dos órgão públicos.
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