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Amazônia: como as populações locais pensam o desenvolvimento da região

A agricultura familiar, o extrativismo, a pesca, o artesanato, o turismo de base comunitária, geram riqueza com sustentabilidade. Mas os povos da Amazônia são invisibilizados

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por Marta Silva, para o Tapajós de Fato

O desenvolvimento da Amazônia é uma questão complexa que envolve diversos fatores, como o meio ambiente, a economia, a infraestrutura e a cultura da região. Esse desenvolvimento historicamente implementado, tem sido marcado por intervenções externas que muitas vezes não consideram as particularidades da região e têm impactos negativos sobre a população e o meio ambiente. 

 

Nos últimos anos, tem havido um esforço em demonstrar para o mundo, um “projeto” ou desejo de se desenvolver a região de forma mais sustentável. 

 

No entanto, o território amazônico é visto como um grande país (devido às suas particularidades e grande extensão territorial) com alguns bolsões de riqueza, pelas demais regiões do Brasil e pelo exterior, que vende produtos de baixo valor agregado e alto impacto ambiental, e compra produtos manufaturados e tecnológicos de alto valor.

 

Nesse sentido, como promover um projeto de desenvolvimento baseado na economia da floresta (em pé), preservada e produtiva? A fim de beneficiar os territórios e seus habitantes?

 

Sobre o assunto “desenvolvimento na Amazônia”, o Tapajós de Fato conversou com o presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), Mário Augusto Pantoja; com  Carlos Alves militante das causas sociais e ambientais, artista plástico e arqueólogo; e Luiz Gonzaga de Oliveira, agricultor, da comunidade Terra de Areia em Mojuí dos Campos que é presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar de Mojuí dos Campos.

 

A perspectiva é demonstrar como as pessoas e os povos que residem na região pensam o desenvolvimento.

Luiz Gonzaga de Oliveira, agricultor, da Comunidade Terra de Areia em Mojuí dos Campos e presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar de Mojuí dos Campos/ Foto arquivo pessoal
 

Carlos Alves faz um recorte do que vem acontecendo, nas últimas décadas, no território amazônico e, em especial, no Baixo Tapajós. Para ele, “os projetos desenvolvimentistas miram a região oeste do Pará como ponto estratégico para ampliar os planos logísticos de escoamento de grãos do Centro Oeste. A implantação desses projetos é feita de cima para baixo, não cumprindo as leis ambientais e desrespeitando o artigo 169 da OIT do qual o Brasil é signatário. Ou seja, as comunidades nunca são consultadas, visto que essas são bastante impactadas, tanto socialmente  como ambientalmente”, enfatiza.

 

“Hoje em dia a Amazônia é uma disputa mundial”, logo, “existem interesses econômicos de uma forma generalizada”, enfatiza Mário Pantoja. Partindo desse princípio, há visões diversificadas de Amazônia no que tange ao modelo de desenvolvimento. “Saindo do princípio da visão do pessoal do Sul, do Centro-oeste […] eles têm uma visão de desenvolvimento através de uma forma de que tem que ser o ouro, tem que ser a soja, tem que ser retirando madeira […] já o amazônida ele tem uma visão diferente. Ele tem uma visão de preservação e ele gera uma economia sustentável”, ressalta.

 

As propagandas governamentais demonstram que tem havido, nos últimos anos, um esforço para desenvolver a região de forma mais sustentável, levando em consideração as necessidades e os desejos das populações locais, bem como a preservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas. 

 

O produtor rural Luiz Gonzaga pontua que para haver desenvolvimento, o primeiro passo é garantir a posse da terra aos produtores. Ele enfatiza, “eu acho que não tem como desenvolver sem a garantia do território […] o território está sendo ameaçado na Amazônia e eu não estou falando aqui só da nossa região, mas estou falando de um continente, que é a Amazônia. Ameaçada por grandes projetos que são implantados e pensados pra Amazônia, e a gente vê que a garantia do território para os agricultores seria talvez uma primeira coisa para desenvolver, porque sem o território o produtor não faz nada”.

 

Nesse sentido, Mário Pantoja faz uma referência à dificuldade de os povos quilombolas e indígenas terem suas terras demarcadas e/ou reconhecidas. Para ele, essa dificuldade tem relação com os interesses econômicos de capital estrangeiro em relação à Amazônia.


 Carlos Alves militante das causas sociais e ambientais, artista plástico e arqueólogo. "Uma outra Amazônia é possível"/ Foto Arquivo pessoal
 

As populações que aqui residem já, há décadas, utilizam o agroextrativismo, a agricultura familiar, a pesca artesanal, o turismo de base comunitária, entre outras atividades como forma de produção de renda, de suas famílias, suas comunidades e principalmente de todo o estado.  

 

O presidente da FOQS  relembra que “se fizer um levantamento das famílias que existem na Amazônia e que dependem da pesca, da agricultura de uma forma mais simples, que dependem do extrativismo de modo geral, e o que essas pessoas produzem de desenvolvimento de uma forma sustentável […] você vai ter uma base de quem gera a renda”.

 

Nesse sentido, Luiz Gonzaga também realça que, “70% da alimentação do povo brasileiro é oriunda da agricultura familiar”, e enfatiza “que apesar da agricultura familiar ser colocada como talvez um micro, ela já é grande, ela já é o macro”.  

 

O que solidifica a tese de que, já há na Amazônia um modelo de desenvolvimento que comporta as necessidades da floresta e as necessidades econômicas da região e que gera emprego e renda. Contudo, o que a região necessita é de iniciativas que promovam o fortalecimento desse modelo de desenvolvimento, a sua industrialização e aprimoramento por meio de inovações tecnológicas.  

 

Quanto ao modelo de gestão de negócios, tanto Carlos quanto Luiz Gonzaga pontuaram o cooperativismo e a agroecologia como uma forma de organizar as práticas econômicas na Amazônia. Segundo Carlos, "as pessoas das comunidades buscam viver em um coletivo que partilha a mesma cultura, ter uma vida digna dentro do território, produzindo seus alimentos, com seu território livre de todas as mazelas que provocam destruição da natureza e usufruir dos bens naturais”.

 

“Pensando um modelo de desenvolvimento para os povos da Amazônia, porque a Amazônia já é desenvolvida por si só, eu vejo o cooperativismo […] cada um, seja ela da agricultura, do  extrativismo […] numa cadeia integrada de produção, olhando cada um e respeitando o meio ambiente. Cada um na sua cadeia produtiva, mas de forma integrada”, pontua Luiz Gonzaga. Para ele, o cooperativismo atuando em respeito ao ambiente, mas produzindo riqueza para os povos é o mecanismo para o futuro. 

 

Nesse sentido,  Mário Pantoja, enfatiza que “os nossos governos, eles administram para Brasília, para São Paulo, para o Rio [de janeiro], eles não administram internamente, eles não administram para a população local”. O que dificulta que a economia produzida pelos povos da Amazônia seja vista como desenvolvimento. Logo, os investimentos não são aplicados de forma a fortalecer, melhorar, inovar e aprimorar o que já fazemos na região”, enfatiza. 


Mário Augusto Pantoja presidente da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém/ Foto Arquivo pessoal
 

Nesse sentido, quando se pontua promover um desenvolvimento sustentável na Amazônia, voltada para os povos da Amazônia e pensada pelos povos da Amazônia, Mário Pantoja enumera várias iniciativas que, se industrializadas ou aprimoradas, têm um potencial econômico comparado às commodities e ao ouro. 

 

"Tem muita coisa que se pode fazer, não é uma nem duas, são várias. Que tal um incentivo a piscicultura por exemplo, já que as pessoas dependem muito do peixe e as famílias estão crescendo; que tal se o governo incentivasse por meio do Banco do Brasil ou do Banco da Amazônia o plantio de açaí para as pessoas mais simples, fizesse um fundo da Amazônia para esse objetivo; melhorasse as estradas para o escoamento dos produtos; que tal os governos municipais e estaduais produzirem agroindústria para a produção de polpas de produção em larga escala […] tem muita coisa, se você for enumerar, sem colocar portos, sem plantar soja”.
 
Nesse sentido, se essas práticas tivessem apoio das instituições do Estado para implantação em diversas comunidades, a participação popular como geradora de renda teria muito mais peso na economia, pontua Carlos Alves.

 

Foto de topo: Kevin Gonzalez/ Tapajós de Fato

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