Candidaturas militares ocupam vácuo deixado por democratas, diz pesquisador
Para Fransergio Goulart, da Idmjr, recorde de candidaturas militares em 2022 reflete falta de diálogo entre progressistas e territórios periféricos
Rafael Ciscati
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Pelo menos 212 candidatos fardados devem disputar as eleições pelo Rio de Janeiro em 2022. São policiais civis e militares, ou membros das forças armadas, que disputam uma vaga na na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ou no Congresso nacional. O número é 40% maior do que o verificado nas eleições de 2018. Na avalição do historiador Fransérgio Goulart, coordenador da Iniciativa Direito, Memória e Justiça Racial, esse avanço aponta para um processo de militarização da política que tem efeitos práticos no dia-a-dia da população. “Quando eleitos, esses candidatos apoiam medidas conservadoras, e uma política de segurança pública baseada no confronto”, diz ele. “Medidas que reforçam a guerra às drogas. Nela, sabemos quem são os inimigos: a população negra, pobre e favelada”.
A presença de militares nas eleições ganhou fôlego no pleito de 2018. Naquele ano, 961 candidatos com patentes militares se lançaram na disputa na esteira do presidente Jair Bolsonaro – capitão reformado do exército – e de seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão. Um levantamento recém-produzido pela Idmjr, a partir de informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sugere a manutenção dessa tendência: em 2022, 1517 candidatos oriundos de forças de segurança concorrem a cargos eletivos em todo o Brasil. Um avanço de 22,7% em comparação a 2018. ” Assistimos a uma ampliação da militarização e milicialização da política institucional, por conseguinte, um fortalecimento da popularmente conhecida Bancada da Bala, que atua principalmente no debate de segurança pública”, avalia a Idmjr.
Nesse universo, o Rio de Janeiro se destaca como o estado com maior número de candidaturas fardadas. A fatia mais representativa é a de policiais militares: eles equivalem a 42% do grupo, e são seguidos pelos militares reformados (32%). Na avaliação de Goulart, a eleição de militares foi responsável por uma guinada conservadora na política de segurança pública fluminense. “Desde 2019, ganhou fôlego um processo que pretende dar autonomia às polícias”, diz ele. E é resultado de dois fatores principais: de um lado, da aliança entre políticos militares e religiosos neopentecostais; de outro, daquilo que Goulart aponta como o afastamento entre a esquerda progressista e os territórios de favela e perifieria. ” O projeto conservador avançou sobre o vácuo deixado pelo campo democrático”, afirma.
Vocês apontam um processo de militarização da política fluminense, que ganha fôlego desde 2019. Quais os efeitos desse fenômeno?
Esses candidatos, quando eleitos, assumem uma atuação conservadora e corporativista. São parlamentares que não discutem políticas para educação ou saúde. Se relacionarmos os projetos de lei que foram aprovados com apoio dessas bancadas veremos que foram todos direcionados às forças de segurança. Sua presença na Alerj também acentuou o processo de militarização das forças policiais no estado. Em lugar de projetos de lei que ampliem a inteligência das polícias, o que há no Rio de Janeiro é uma política de confronto. Há muito recurso, pautado via orçamento público, para a compra de caveirões e armamentos bélicos. No caso da política de drogas, há também projetos de apoio à comunidades terapêuticas, que ignoram discussões sobre como fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), e se distanciam de uma política de redução de danos. São medidas que reforçam a guerra às drogas. E, nela, a gente sabe quem são os inimigos – a população negra, pobre e favelada. É importante notar que esses parlamentares têm uma atuação próxima de setores neopentecostais. De tal maneira que conseguem aprovar proposições importantes, como a Lei Orgânica da Polícia Civil. Aprovada em 2022, essa lei consolidou a autonomia da polícia: hoje, não há uma Secretaria de Segurança Pública no Rio de Janeiro. A polícia civil só presta contas ao governador. Esses mandatos deram fôlego a esse processo de autonomização.
Na prática, o que significa esse avanço na autonomia das polícias?
Esse é um projeto político que se intensificou conforme aumentou o número de parlamentares ligados às forças de segurança. No Rio de Janeiro, ele foi encampado pelo ex-governador Wilson Wietzel e também pelo atual, Cláudio Castro. O resultado é atuação violenta das polícias em territórios de favela. Tentamos barrar essa atuação recorrendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2020, proibiu a realização de operações policiais militarizadas nas favelas fluminenses durante a pandemia Covid-19. Mesmo essa determinação da Suprema Corte foi desrespeitada. O número de operações realizadas na zona oeste do Rio de Janeiro e nos municípios da Baixada Fluminense, nesse período, assombra. Os territórios negros no Rio de Janeiro sofrem com a militarização das forças policiais a partir do discurso de guerra às drogas.
O Rio de Janeiro é o estado que concentra o maior número de candidatos oriundos de forças de segurança. Por que isso acontece?
O campo progressista precisa fazer um processo de avaliação. A democracia que dizemos defender nunca chegou a certos espaços periféricos. Nesses territórios, as candidaturas conservadoras aparecem apontando pretensas soluções. Dizem que vão resolver o problema da segurança pública, por exemplo, armando a população. Esse avanço dos políticos conservadores tem uma relação, ainda, com o avanço das religiões neopentecostais. Elas defendem a bancada da bala, a ideia de que “direitos humanos defendem bandidos” e de que “bandido bom é bandido morto”. Se orientam, muitas vezes, por uma lógica que remete ao velho testamento, de “olho por olho, dente por dente”. E elas ofereceram capilaridade a essas candidaturas. Mas a eleição desses nomes é também reflexo da falta de diálogo do campo democrático com os território de favela. Falta que as esquerdas respeitem as proposições da favela, o conhecimento que a favela produz no campo da segurança pública. O projeto conservador avançou sobre o vácuo deixado pelo campo democrático.
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