Direitos humanos: entenda o que são
Os direitos humanos são universais: protegem todas as pessoas. Seu objetivo é garantir as condições mínimas para que todos e todas vivam bem e se desenvolvam
Rafael Ciscati
14 min
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Em 2018, o instituto de pesquisas Ipsos decidiu investigar o que os brasileiros pensavam a respeito da defesa dos direitos humanos. Os dados coletados revelaram algumas contradições. Segundo o instituto, seis em cada dez brasileiros se diziam a favor dos direitos humanos. A aprovação aumentava nas parcelas mais jovens da população — subia para sete em cada dez no grupo de entrevistados com idades entre 25 e 34 anos.
Um resultado, à primeira vista, positivo. Ao mesmo tempo, no entanto, para 66% dos brasileiros os direitos humanos defendiam “mais os bandidos que as vítimas”. Ainda segundo a pesquisa, mais da metade dos brasileiros (54%) concordam com a frase: “os direitos humanos não protegem pessoas como eu”. O dado preocupa porque revela um equívoco: ao contrário do que diz a afirmação, os direitos humanos protegem todos e todas.
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Definição de Direitos Humanos
Direitos humanos, segundo o entendimento atual, são aquele conjunto de garantias mínimas necessárias para que uma pessoa viva bem e se desenvolva plenamente.
Eles são universais: são válidos para todas as pessoas, independentemente de credo, gênero ou etnia.Trata-se, por exemplo, do direito à saúde, do direito à moradia, do direito à educação e instrução, do direito à liberdade de expressão e à participação política. Nessa lista, entra também o direito à vida.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Em 1948, representantes dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) reuniram, num só documento, esse conjunto de garantias essenciais. Publicada em dezembro daquele ano, a Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu em um mundo ainda abalado pelos efeitos de duas grandes guerras e politicamente dividido.
Em parte, a Declaração foi resultado daquele contexto político. “As guerras são as maiores expressões de violações de direitos. E a declaração surge em oposição a esse quadro”, lembra a advogada Melisanda Trentin, coordenadora da Justiça Global, organização carioca de defesa dos direitos humanos.
A declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu sem peso de lei. Mas representou uma mudança de paradigma. A ela, seguiram-se tratados internacionais e a criação de políticas públicas destinadas a tornar concretos os direitos previstos no documento.
Segundo Melisanda, a Declaração teve ainda o mérito de apontar um horizonte a ser perseguido. “Os direitos humanos não existem no vazio. Eles são fruto de conquistas, e são também um ideal”, explica a advogada. “Eles representam uma visão do que pode ser uma sociedade melhor, onde devemos desejar chegar”. Eles apontam para a necessidade de construir sociedades mais justas, e são fruto de séculos de lutas e mobilizações.
A história dos direitos humanos
A ideia de que todos os seres-humanos nascem dotados de direitos é antiga— remonta ao direito romano. “Desde então, se discute a existência de um direito natural”, conta Melisanda. “Ou seja, a existência de direitos válidos para todas as pessoas, desde o seu nascimento”.
Durante muito tempo, no entanto, essa noção sofreu de restrições. “ Originalmente, ela se referia ao mundo europeu. E conviveu, inclusive, com a escravização de populações na África, Ásia e Américas”.
O rol de direitos e seus beneficiários se expandiu à medida em que diferentes grupos sociais passaram a reivindicar maior participação política, mudanças nos sistemas de governo ou o estabelecimento de políticas de proteção social. É comum que os estudiosos dessa história dividam os direitos conquistados em cada época em três gerações.
O que são direitos da primeira geração?
Os direitos da primeira geração são aqueles conquistados durante as revoluções burguesas do século XVIII. Seu grande marco é a revolução francesa de 1789 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Já no seu primeiro artigo, o documento estabelece que os “homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
À época, o que se queria definir era a noção de liberdade dos indivíduos em relação ao Estado. “É com a Revolução Francesa que ganham relevo os ideais de liberdade e igualdade”, conta Melisanda. “Discute-se, então, quais os limites da atuação do Estado na vida das pessoas. O desejo é o de abandonar a figura de um monarca absoluto, e isso abre caminho para o estabelecimento de democracias”.
São desse período as reivindicações referentes à participação política, por exemplo.
O que são os direitos da segunda geração?
Os direitos de segunda geração, por sua vez, surgem depois das duas grandes guerras mundiais. Eles tratam da criação de políticas sociais, necessárias para garantir o bem-estar das populações: coincidem, na Europa, com a criação do estado de bem-estar social. São reivindicados direitos econômicos, sociais e culturais, como o direito à saúde e à educação.
O que são direitos da terceira geração?
Por fim, os direitos de terceira geração são aqueles cobrados a partir dos anos 1960. São os direitos difusos — cujo número de beneficiários não se pode mensurar, como no caso da proteção ao meio ambiente — e os direitos coletivos. Se, até ali, os direitos humanos se dedicavam à proteção de indivíduos, nessa terceira geração destaca-se a proteção a grupos humanos.
Ainda que essa “história oficial” se concentre, sobretudo, em episódios passados na Europa, Melisanda destaca que as lutas pelo estabelecimento de direitos aconteceram ( e acontecem) no mundo inteiro. “É possível destacar o movimento de independência da índia, liderado por Ghandi já no século 20”, lembra ela. “E, mesmo antes disso, houve uma série de revoltas negras no Brasil.
Revoltas que lutavam pela liberdade e pela igualdade”. Essa evolução também revela que tais direitos não são estáticos. Eles respondem às necessidades e reivindicações de seu tempo. “Nossa afirmação política diária, ainda hoje, faz também parte do processo de construção dos direitos humanos”.
Direitos humanos no Brasil e a violência contra ativistas
Os direitos humanos são universais. Apesar disso, defendê-los pode ser uma atividade de risco. Especialmente no Brasil. O Brasil é um dos lugares que mais mata defensoras e defensores de direitos humanos em todo o mundo. Levantamento da ONG Global Witness aponta que, em 2021, 26 defesensores foram assassinados no país. A cifra situa o Brasil na terceira posição de um ranking encabeçado por México (54 assassinatos em 2021) e Colômbia (33). Segundo a ONG, o quadro é ainda pior quando analisado o acumulado da última década: entre 2012 e 2021, o número de mortos chegou a 342, o maior registrado em todo o planeta.
Quais são os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos?
Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 2
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo 3
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 6
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo 11
1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo 12
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo 13
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.
Artigo 14
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 15
1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo 17
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo 18
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.
Artigo 19
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 20
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21
1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo 22
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 23
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo 24
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo 27
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo 28
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo 29
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração poder ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
Foto de topo: Vinícius Viana / Sindicato de vestuário de Sorocaba
A fonte dos artigos foi o site da Unicef.
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