Em Belém, jovens criam galeria de arte a céu aberto para combater preconceitos
Murais de grafite retratam personagens importantes para a comunidade de Terra Firme, bairro na periferia da cidade. Ação pretende combater estigma contra a arte periférica
Rafael Ciscati
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Quem quiser conhecer o bairro da Terra Firme, na periferia de Belém (PA), pode começar o passeio por uma esquina da Rua Angelin, já bem perto da Avenida Perimetral — uma das principais do bairro. Ali, há pouco mais de dois meses, as paredes cinzas de um sobrado sem reboco deram lugar a uma painel colorido de vermelho vivo. No centro do desenho, um jovem negro de punho erguido. O local é ideal para o turista que gosta de fotografar. O tour pode continuar alguns metros adiante: descendo a Avenida Perimetral, basta dobra à direita na passagem São Sebastião e sacar a câmera para um novo clique. Dessa vez, o painel tem fundo amarelo e mostra um grupo de jovens moderno: camisetas estampadas, bonés e cabelo black. Traços que lembram os de seus criadores: os jovens artistas do coletivo PeriferArt. Outros três painéis, espalhados pelas ruas do bairro, completam o circuito para formar uma galeria de arte urbana. São grafites que ajudam a contar a história do Terra Firme e dos jovens que vivem ali.
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Os murais grafitados são desdobramentos do projeto Cineclube Terra Firme. Criado há três anos pela professora Lília Melo, a iniciativa recorre à arte para discutir assuntos complexos, como o combate ao racismo e a construção da auto-estima. Questões centrais para a juventude de um bairro periférico que, em Belém, ganhou a pecha de violento. “Usamos a arte para desconstruir esse estereótipo”, diz Lília.
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Ao longo dos últimos três anos, ela e seus alunos produziram documentários, organizaram saraus e batalhas de rima. No auge da pandemia de covid-19, os jovens gravaram vídeos ensinando a população local a se proteger contra o vírus. As ações ganharam o respeito da comunidade e receberam reconhecimento internacional. No ano passado, Lília figurou entre os 50 finalistas do Global Teacher Prize, uma premiação considerada o Nobel da educação. Mesmo assim, um conflito persistia. “Eu notava que muitos jovens estavam angustiados porque não eram reconhecidos como artistas pelos próprios pais”, conta a professora. Eram meninos e meninas que tinham encontrado no grafite uma forma de se expressar. “Algumas famílias reproduziam preconceitos em relação à arte periférica. Queríamos mostrar a essas famílias que aqueles jovens são criadores de arte”.
A ideia para solucionar o problema partiu dos próprios adolescentes. O Cineclube Terra Firme é dividido em grupos de trabalho. Dentro dessa organização, o PeriferArt reúne aqueles jovens mais ligados às artes plásticas. Com o apoio de quatro grafiteiros já experientes e ativos em Belém, o grupo resolveu que transformaria o Terra Firma em uma galeria de arte a céu aberto. A ação foi coordenada pela estudante Maíra Veloso.
O trabalho começou em finais de 2020, com a pintura dos muros da Escola estadual Brigadeiro Fontenelle, encravada no centro do bairro e onde Lília dá aulas. Lília conta que a ação foi um divisor de águas. “Pais que tinham vergonha de dizer que os filhos grafitavam passaram a se orgulhar. Afinal, eles tinham pintado os muros da escola”, conta ela. Hoje, os muros do colégio viraram pano de fundo para selfies e locação para filmagens.
Os cinco painéis que se seguiram foram desenhados nos locais mais estigmatizados da Terra Firme. Aqueles comumente associados ao tráfico de drogas ou à violência. Foi uma escolha consciente. “Queríamos desconstruir a ideia de que aqueles locais não deveriam ser frequentados”, diz Lília. A movimentação dos jovens deu nova vida a essas regiões.
Cada mural retrata uma história importante para a comunidade. Caso do grafite em homenagem ao padre Bruno Sechi — a terceira parada no roteiro artístico pelo bairro. Morto em 2020, vítima da covid-19, padre Bruno se notabilizou pelo compromisso com trabalhos sociais e por participar das movimentações que culminariam na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Os jovens tinham uma ligação muito forte com o padre Bruno. Por isso, decidiram homenageá-lo”.
Hoje, a ambição é de que a galeria a céu aberto se amplie. E de que, ao fim da pandemia, se transforme, de fato, em pontos de parada para o turismo de base comunitária na região. Por ora, os murais do Cineclube Terra Firme parecem ter criado uma espécie de efeito em cascata: animadas pelos novos grafites, pessoas sem relação com o projeto decidiram convidar artistas para pintar seus próprios muros. “O resultado é o que o bairro está ficando todo colorido”, diz Lília. “Está muito bonito”.
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