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Falhas em programa nacional deixam ativistas desprotegidos, diz relatório

Rafael Ciscati

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Criada há menos de duas décadas, a Política Nacional de  Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (PNPDDH) sofre com dificuldades para ser ampliada, e derrapa na utilização dos recursos disponíveis. Seu orçamento aumentou em 2018 — quando a  verba destinada pelo então Ministério dos Direitos Humanos chegou a pouco mais de R$27 milhões. Apesar disso, especialistas que acompanham o tema dizem que, ora por atrasos no repasse dos recurso, ora por dificuldades burocráticas, nem sempre o dinheiro é empregado na proteção dos ativistas ameaçados. “A maior parte dos recursos orçamentários atuais é destinada ao custeio de equipe e viagens, e pouco é destinado a equipamentos de proteção e ao apoio às necessidades dos defensores de direitos humanos”, afirma o dossiê Vidas em Luta: criminalização e violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil.

Lançado recentemente pelo Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (CBDDH), o estudo analisa o período que vai do início de 2018 a julho de 2020. O apanhado mostra um cenário em que recrudesceram conflitos no campo e nas cidades, com aumento  no número de lideranças e ativistas ameaçados. Na avaliação do Comitê, a PNPDDH não foi capaz de oferecer segurança a essas pessoas.

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A política de proteção a defensores de direitos humanos surgiu em 2004, durante o governo Lula. Sua criação foi uma resposta a organizações da sociedade civil, que cobravam ações do governo para conter a violência contra ativistas. Ela seria efetivada no ano seguinte, logo depois de a freira estadunidense Dorothy Stang ser morta nas cercanias da cidade de Anapu, no Pará. Por anos, irmã Dorothy denunciara os desmandos de grileiros e grandes fazendeiros, que se apossavam de terras públicas na região. A atividade a colocou na mira de pistoleiros.

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A PNPDDH funciona por meio de convênios firmadas pela União com estados e com organizações sociais. A maior parte dos recursos para seu financiamento vem do governo federal. A proteção oferecida aos defensores varia caso a caso: pode incluir escolta policial ou mesmo a transferência emergencial do defensor e de sua família para outra cidade. Logo que foi criada, a politica incluía equipes nos estados do Pará, Espírito Santo e Pernambuco. A seguir, foi ampliada para o Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e Maranhão — além de uma equipe federal, responsável por responder a emergências em outras localidades. Passados 16 anos, essa estrutura minguou. Hoje, não há atuação no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo. E sua presença sofreu com intermitências nos estados do Rio de Janeiro, Bahia e Pará, que ficaram sem programas estaduais atuantes em mais de um momento ao longo da última década e meia.

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Mesmo a ampliação do orçamento, registrada em 2018, é considerada insuficiente na avaliação do Comitê. Segundo os especialistas, ela não resultou no aprimoramento do trabalho. Os autores do dossiê explicam que os pouco mais de R$ 38 milhões destinados aos programas estaduais naquele ano —  R$27 milhões pagos pela União,  o restante pago pelos estados e organizações parceiras — deveriam financiar, ao longo dos anos seguintes, os convênios já existentes. Em alguns casos, o valor bancaria três anos ou mais de trabalho. Desde 2018, esse montante não recebeu acréscimos significativos. Um único novo convênio foi firmado e entrou em funcionamento: com o estado do Rio de Janeiro, no valor de R$2,3 milhões.

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Outros convênio foram estabelecidos com os estados do Mato Grosso, Paraíba, Amazonas e com o Distrito Federal — mas esses programas não começaram a trabalhar, o que significa que os recursos destinados a seu custeio não foram utilizados. “Deduz-se a partir dessa constatação que, nos últimos três anos, para a proteção de defensoras(es) de direitos humanos foram de fato aplicados na proteção direta não mais que 2 milhões e meio além do informado em julho de 2018”, diz o dossiê.

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Nesse tempo, em contrapartida, a violência contra os defensores se agravou. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) , em 2019 os conflitos no campo aumentaram 23%, se comparados ao ano anterior, e chegaram ao maior número dos últimos 35 anos. Somente em 2020, 13 defensores de direitos humanos foram assassinados no Brasil, de acordo com levantamento preliminar feito pela organização Justiça Global. O número de defensores sob ameaça acompanhados pelas equipes estaduais tambpem aumentou: passou de 125 em 2018 a 226 em 2019. Em julho deste ano, eles eram 193.

Na leitura do Comitê, o período ainda foi marcado por deterioração no cenário político: “a permanente incitação à violência pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e sua base contra específicos segmentos da população – mulheres, profissionais de imprensa, indígenas, quilombolas e outros – gera um ambiente de legitimação de atos de violência pela população contra estes grupos, e de insegurança dos defensores na inserção em um Programa de proteção executado por um governo que se posiciona contrário à afirmação de direitos destas populaçõe”, afirma o grupo.

Na avaliação do Comitê, para tornar as ações  mais eficientes, é preciso que o programa nacional passe por reformulações.  As mudanças sugeridas incluem estimular maior interlocução entre as equipes estaduais e os sistemas de saúde e de justiça; maior participação da sociedade civil na definiação dos rumos da política;  e a criação de uma “uma metodologia de proteção sistêmica”, que permita à política atuar nas causas geradoras da violência, e não nas suas consequências. O grupo também cobra maior celeridade, com menos burocracia, no repasse e aplicação dos recursos financeiros disponíveis.

Foto de topo: reprodução

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