Massacre no RJ: organizações cobram perícia independente e familiares ainda buscam desaparecidos
Por whatsapp, grupo recebe relatos de pessoas em busca de parentes. Para ministra dos Direitos Humanos, operação Contenção foi "horror inominável"
 
                                Rafael Ciscati
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“Um fracasso, uma tragédia, um horror inominável”. Foi assim que a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, classificou a Operação Contenção. A declaração foi feita durante entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira (30).
Deflagrada pelo governador Cláudio Castro para, segundo ele, deter o avanço do Comando Vermelho, a Contenção deixou 121 pessoas mortas (de acordo com as estatísticas oficiais) nos complexos do Alemão e da Penha. Várias delas, de acordo com moradores que tiveram contanto com os corpos, com sinais de execução e tortura. Trata-se da operação policial mais letal da história fluminense: na avaliação de organizações de defesa de direitos humanos, uma chacina conduzida pelas forças policiais.
Em visita aos familiares dos mortos, Evaristo afirmou que o governo federal vai encomendar uma perícia independente dos corpos. “Na nossa visão, a perícia no local está muito prejudicada”.
Moradores da região cobraram, ainda, a divulgação das imagens gravadas pelas câmeras nas fardas dos policiais. (Folha)
A ausência de uma perícia independente foi criticada pela organização de direitos humanos Justiça Global. O grupo lembrou que essa é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Numa publicação no Instagram, a ong cobra “uma perícia ágil, isenta e que possa, de fato, dar respostas às famílias que tiveram seus entes queridos tirados pela violência estatal”.
Dificuldade na identificação dos corpos e busca por desaparecidos
Os corpos das 121 pessoas mortas durante a ação policial foram encaminhados para o Instituto Médico Legal do Rio, onde se formou uma aglomeração de familiares das vítimas. A Folha de S. Paulo conta que, até a tarde de quinta-feira (30), 80 mortos haviam passado por necrópsia.
Familiares de vítimas e desaparecidos, que foram ao IML em busca de notícias, relatam enfrentar dificuldades no trato com as autoridades policiais. “As pessoas estão tendo dificuldades na identificação dos mortos. Há muita burocracia e constrangimento por parte da polícia civil”, disse o historiador Fransérgio Goulart, da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (Idmjr) à Brasil de Direitos.
O grupo criou um canal de whatsapp em que recebe queixas e relatos de pessoas cujos familiares continuam desaparecidos. O serviço começou a funcionar na tarde de quinta-feira e, às 20h do mesmo dia (horário em que Goulart conversou com a BD), já havia recebido 21 relatos. Na sexta-feira, o grupo planeja se reunir com as pessoas que entraram em contato. “A gente vai comparar os nomes enviados por whatsapp com as listas de pessoas custodiadas e que estão nos hospitais. Torcemos para que estejam todos vivos, para a gente poder dar essa notícias aos familiares”, diz Goulart.

Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Goulart lembrou que a responsabilidade pelo massacre do último dia 28 recai sobre o Estado. “É o estado que detém o monopólio da força”.
Parlamentares pedem prisão preventiva de Castro
A brutalidade da operação policial levou membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a enviar um ofício à procuradoria geral da república, pedindo a abertura imediata de investigação criminal contra o governador Cláudio Castro. O documento ainda pede que a PGR avalie pedir a prisão preventiva do mandatário.
O caso também foi denunciado a organismos internacionais. Na quarta-feira (29), dez entidades de direitos humanos apelaram à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) por uma ação imediata diante das graves violações cometidas na Operação Contenção. As entidades solicitam que a operação seja reconhecida como grave violação de direitos humanos e pedem a instalação urgente de uma comissão internacional independente de verificação e perícia.
O pedido foi apresentado pela Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Justiça Global, Rede Liberdade, Redes da Maré, Instituto de Estudos da Religião (ISER), Criola, Comissão Arns e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL).
Por meio de um porta-voz, o secretário-geral da ONU, António Guterres disse estar profundamente preocupado com o número de mortos durante a operação, e cobrou investigações imediatas.
Performance midiática
Ao comemorar o saldo da operação policial, o governador Cláudio Castro quis ocupar um “espaço vazio na direita política” de modo a ganhar destaque nacional. A avaliação é do professor de Política Global e Sociedade no Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge (POLIS), Graham Denyer Willis. Para ele, trata-se de uma grande performance midiática: “A linguagem utilizada, o desfile de pessoas e de mortos deixam bastante claro que se tratou de algo deliberadamente feito para o espetáculo. Foi isso que definiu o sucesso. Foi um esforço para criar uma plataforma política com base na política dos cadáveres”, disse o professor à BBC News Brasil.
Dos arquivos – Qual o saldo das operações militarizadas

Antes do dia 28 de outubro, a chacina mais letal na história fluminense ocorrera na favela do Jacarezinho, em 2021. Na ocasião, ainda em meio à pandemia de covid-19, a polícia civil do estado matou 28 pessoas. Nesse texto publicado à época ( e, infelizmente, ainda bastante atual), Brasil de Direitos conta como operações policiais militarizadas cresceram em frequência na história do Rio de Janeiro a partir de meados dos anos 1990. Longe de tornar a cidade mais segura, elas disseminam o terror em meio à população pobre, preta e favelada. “O estado brasileiro violenta seus cidadãos desde muito cedo. A pessoa cresce normalizando ter que correr para se esconder de tiro”, disse o pesquisador Pedro Paulo Silva, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).
Glossário: O que é necropolítica
Em 2003, o filósofo camaronês Achille Mbembe publicou um ensaio que se tornaria célebre. No texto, de pouco mais de 30 páginas, se dedicou a uma tarefa árida: examinar como os governos administram a morte. A isso, deu o nome necropolítica.
O conceito descreve como, nas sociedades capitalistas, instituições — como governos — promovem políticas que restringem o acesso de certas populações à condições mínimas de sobrevivência. Criam regiões onde a vida é precária e onde a morte é autorizada. Ao fazer isso, definem quais indivíduos devem viver, e quais devem morrer — e como deve ser sua morte. No Brasil, o conceito é mais comumente utilizado para analisar políticas de segurança pública e a atuação das polícias.
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