Papo Reto quer criar uma “nova narrativa sobre a favela”
Surgido em 2013, grupo se especializou em mobilizar para defender e conquistar direitos
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O carioca Raull Santiago costuma dizer que trabalha como “midiativista”. O termo é relativamente novo e, Santiago explica, refere-se às pessoas que usam a tecnologia para “denunciar, organizar e mobilizar pessoas através da comunicação”. Aos 30 anos, Santiago é falante e articulado. Nasceu e se criou no complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Uma área da cidade onde vivem, nas contas dos próprios moradores, mais de 200 mil pessoas – nas estatísticas oficiais, o governo registra 69 mil. Um lugar onde política pública, segundo Santiago, é frequentemente sinônimo da presença violenta da polícia militar.
Santiago veio a São Paulo conversar com a Brasil de Direito sobre midiativismo e sobre estratégias para produzir comunicação de maneira colaborativa. Trata-se de algo em que o Papo Reto se especializou. Nos últimos seis anos, o grupo realizou eventos culturais dentro da favela. Contou as histórias de seus moradores em vídeo, texto e postagens de redes sociais. Denunciou casos de violência policial. Num de seus projetos mais ambiciosos, conseguiu, com a ajuda dos moradores do Alemão, mapear os horários em que ocorriam as operações do Bope – a tropa de elite da polícia militar carioca – nas diferentes áreas do Complexo: “Percebemos que havia um padrão. A polícia só entrava na favela às 7h, ao meio dia e as 17h”, conta ele. “Os horários de maior movimento, quando as pessoas saem ou voltam para suas casas, vindas do trabalho ou da escola.”
Ao longo dos anos, o Papo Reto aprendeu a fazer uso das redes sociais para comunicar ao mundo – e aos moradores do Alemão – o que se passava na favela. Coisas ruins e também coisas boas: “Frequentemente, quando as pessoas falam sobre a favela, abordam somente os problemas vividos ali. Como se esses problemas nascessem na favela”, contou ele durante conversa com membros da Plataforma Brasil de Direitos. “Virei midiativista para disputar uma narrativa sobre a minha realidade. Mostrando que existe violência, sim, mas que ela não se origina naquele espaço. Ela chega como política pública, e só existe porque faltam garantias de direitos básicos.”
Raull Santiago, durante bate-papo para a plataforma Brasil de Direitos — Whatsapp usado estrategicamente e mobilização nas redes sociais
Todo o trabalho do Papo Reto é feito a muitas mãos e com uso intensivo das mídias sociais — os seis membros do coletivo se dividem para administrá-las e decidir o que vai ao ar. O grande desafio, explica Santiago, é saber tudo o que de mais importante acontece no Complexo do Alemão, e checar a veracidade dessas informações.
Esse esforço organizado garantiu notoriedade ao grupo, que já foi destaque do jornal norte-americano The New York Times. O trabalho também transformou as redes sociais do coletivo em uma fonte de informação e de pressão social.
A conversa completa com Raull Santiago está disponível na área restrita da Brasil de Direitos, exclusiva pra usuários cadastrados. Abaixo, destacamos experiências do Papo Reto que podem servir de referência para as organizações dedicadas à defesa de direitos da sociedade civil.
1. Uma campanha articulada nas redes sociais pode ter impacto social
A primeira ação do Coletivo Papo Reto foi criar uma #hashtag. Um código para agrupar postagens no Twitter. Santiago lembra que, em 2013, quando ocorreram os deslizamentos de terra no complexo, o Alemão vivia um momento de grande atenção midiática. Dois anos antes, por meio de uma parceria público-privada, começara a funcionar o teleférico do Alemão. Na cerimônia de inauguração, compareceram figuras ilustres da política, entre elas a então presidente Dilma Rousseff e o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral: “Quando a gente olhava para o chão, via a lama e o sangue da nossa população. Quando olhava para o alto, via o teleférico passando sobre nossas cabeças”, diz Santiago.
Mas havia algo mais para ser visto: nas gôndolas do teleférico, diversas empresas mandaram estampar suas logomarcas. Para pressiona-las a ajudar as famílias desabrigadas, o grupo foi ao Twitter: “Nós publicávamos mensagens como ‘#desabamentonoAlemão e tal empresa ainda não apareceu para ajudar’”. A ação envolveu dezenas de pessoas simultanemanete, e causou barulho o bastante para extrapolar as fronteiras da favela: “Nós pautamos as mídias hegemônicas, causamos pressão e conseguimos ajudar as pessoas desabrigadas”.
2. A importância de adaptar a linguagem ao público
Santiago conta que, ao chegar em casa depois de cada aula, transformava o assunto estudado em posts de Facebook. Textos curtos, escritos em linguagem simples. Às vezes, em formato de rap: “Aquilo fez sucesso e começou a viralizar", afirma. Depois de decorar as rimas do rap, as pessoas aprendiam o significado dos conceitos discutidos nos versos. Desde então, Santiago diz entender a comunicação como um instrumento para a conquista de direitos.
3. Como dividir tarefas
Os integrantes do Papo Reto se dividiram em dois grandes grupos, de modo a facilitar o trabalho do Coletivo. Há um núcleo focado na comunicação e na produção audiovisual. Apesar dessas divisões, todos os membros têm acesso às redes sociais do Coletivo e podem publicar novos conteúdos. No dia a dia, as demandas são tratadas de maneira pragmática: “Quem está mais desafogado assume a tarefa, com suporte de todos os demais”.
Além dessas divisões operacionais, o grupo também se organiza segundo temas de atuação. Há, por exemplo, membros dedicados a ações de preservação da memória dentro da favela: “Mas todos esses núcleos entendem a comunicação como algo essencial. Como o eixo central do nosso trabalho”, explica Santiago.
4. Como aprovar novas ideias
Há pouca burocracia para isso. Segundo Santiago, novas propostas podem ser apresentadas à distância, pela internet ou por um grupo em aplicativo de mensagens. O espaço virtual permite discussões e permite que as tarefas sejam divididas de maneira eficiente.
Mesmo assim, o Papo Reto tenta fazer reuniões presenciais sempre que pode. É quando seus membros podem aprofundar discussões começadas no ambiente virtual. E quando têm a chance de avaliar o trabalho feito até ali, para sugerir ajustes. “Uma coisa que a gente aprendeu é que é preciso ser muito honesto o tempo inteiro”, afirma "As pessoas têm de ter liberdade para falar o que está bom, o que está ruim, o que pode melhorar".
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