Professora cria projeto para prevenir suicídio adolescente em Belém
Rafael Ciscati
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A professora Lília Melo participava de uma premiação em Brasília, no final de 2018, quando seu celular começou a vibrar: “Professora, o Pedro* se matou”, diziam as muitas mensagens que chegavam sem parar. Lília lembra que perdeu o chão. Desde o começo de 2018, Lília coordena o projeto Cineclube Terra Firme. A iniciativa reúne adolescente do bairro de mesmo nome — um dos mais pobres e com maiores índices de violência policial da periferia de Belém (PA) — para discutir e produzir arte. O trabalho resultou numa plataforma de produções audiovisuais, na criação de um circuito de saraus e no prêmio Professores do Brasil, concedido a Lília pelo Ministério da Educação (MEC). Era por causa desse reconhecimento que ela fora a Brasília naquele final de ano. Frente à notícia do suicídio,conta que mal conseguiu dar atenção à cerimônia de premiação: “Eu me peguei questionando tudo que a gente havia feito”, afirma. “De que adiantavam as nossas discussões, se os jovens estavam se matando?”.
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Pedro, o menino que morrera, era um dos mais de 60 adolescentes que participavam das atividades promovidas pela professora. Quieto e sensível, era homoafetivo e tinha um relacionamento ruim com a família evangélica e conservadora. De volta a Belém, Lília decidiu que precisava ampliar o escopo do projeto: “Percebi que não é só a bala de um policial que mata um menino negro na periferia” diz. “A sociedade também mata esse menino, quando vira as costas para ele”.
Desde o final do ano passado, ela, outros professores e voluntários da região promovem encontros regulares entre pais, mães e filhos. São rodas de conversa destinadas a construir laços de afeto e permitir o diálogo franco — e muitas vezes complexo— entre gerações: “Percebemos que esses meninos tinham uma demanda afetiva muito grande e que não era suprida. Não havia diálogo em casa”, conta ela. Os eventos foram batizados de Amor Preto, Minha Cria, e acontecem aos finais de semana. Desde outubro, quatro já ocorreram. A esperança é de que possam mitigar conflitos e ajudar a identificar adolescentes que precisem de ajuda, de modo a prevenir um problema que cresce: o de suicídio entre jovens.
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No Brasil da última década, a questão ganhou contornos de epidemia. De acordo com dados preliminares do ministério da Saúde, 1031 adolescentes e crianças entre 10 e 19 anos cometeram suicídio em 2018. O número representa um aumento de mais de 40% em relação a dez anos antes. Há o temor de que as estatísticas subestimem o problema: a pasta calcula que 20% dos casos não são notificados.
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Em Terra Firme, o bairro onde Lília vive e trabalha, há agravantes. A região é apontada como uma área de disputa entre milicianos, traficantes e policiais. Em 2014, o bairro ficou marcado por concentrar 6 das 10 mortes registradas durante uma das maiores chacinas já ocorridas na Grande Belém. Os casos de violência policial são recorrentes: “Em Belém, morar em Terra Firme significa ser visto como bandido”, conta Lilia. A maior parte dos moradores do bairro é negra. A violência, o preconceito e a estigmatização minam a autoestima e a saúde mental dos jovens.
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O trabalho de Lília e de seus colegas começou com um diagnóstico entre as famílias. Além de Pedro, havia notícias de outros jovens que se automutilavam ou falavam em se matar. Também se acumulavam os relatos de violência doméstica, alcoolismo e violência sexual: “ Notamos que o problema não partia dos adolescentes. Ele surgia nas famílias, e se refletia nos jovens”, diz Lília. “Por isso, nossas ações deveriam envolve-las”.
Não era uma tarefa simples. Nos primeiros encontros informais,antes do surgimento oficial do projeto, o comparecimento foi baixo: “Vieram os pais mais preocupados e mais presentes”, lembra. Faltaram, justamente, as famílias que enfrentavam problemas sérios. Para atraí-las, Lília decidiu usar a arte: “Muitos desses meninos e meninas desenham, fazem música. Mas são vistos pela comunidade como vagabundos”, conta a professora. Lília passou a convidar famílias inteiras para ver apresentações dos adolescentes: “Eu pensei: por que a gente não convoca um encontro e faz, ao mesmo tempo, uma exposição? Para valorizar esses jovens artistas?”
A estratégia já havia sido testada pela professora anteriormente. O Cineclube Terra Firme — o projeto que lhe valera a premiação do MEC — levara, para dentro da escola, os coletivos de música e artes plásticas mantidos pelos adolescentes do bairro. A iniciativa teve o mérito de permitir aos jovens se reconhecerem como artistas. A ideia era estender a proposta aos pais.
Hoje, as reuniões do Amor Preto, Minha Cria acontecem no pátio de uma escola de educação infantil. O nome é inspirado no título de uma música do carioca Cizinho Afreeka. Na letra, o rapper narra o orgulho que sente pela filha, uma menina de 17 anos. É esse tipo de proximidade que Lília quer nutrir: “Os encontros permitem que os conflitos venham à tona” diz ela. “E as rodas de conversa dão segurança para o jovem se abrir”.
Em mais de uma ocasião, segundo ela, as reuniões abrigaram discussões sobre violência e sexualidade. Alguns jovens se sentem seguros para se assumir homoafetivos diante de amigos e família: “Como estão na roda, os pais se veem inclinados a escutar o que o filho tem para dizer. Isso reduz atritos”. As dinâmicas tentam suavizar relações que são, por vezes, conflituosas: “Há um momento em que os filhos sentam no colo das mães. Depois elas sentam no colo dos filhos. A ideia é mostrar que devemos cuidar uns dos outros”, diz Lília. Ela própria participa das atividades, com o filho de 14 anos: “E ele também senta no meu colo”, afirma, rindo da situação inusitada. “Já é grande, mas ainda é o meu bebê”.
*O nome do adolescente foi trocado para preservar sua identidade
Foto de topo: A professora Lilia Melo (Reprodução/ Fundo Brasil de Direitos Humanos)
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