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STF precisa conhecer realidade do trabalho por apps, diz líder dos entregadores

Rafael Ciscati

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[ A matéria foi atualizada no dia 29/02 para refletir a decisão do STF] 

Uma das lideranças do movimento de entregadores por aplicativos, Rodrigo Lopes diz ter recebido com preocupação a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode, em breve, definir o destino da categoria.

A Corte decidiu tornar de repercussão geral um caso em que um motorista cobra da empresa Uber o reconhecimento de vínculo empregatício. O debate importa porque “casos de repercussão geral” são aqueles que servem de base para todas as demais decisões do Supremo, e tendem a influenciar o trabalho das demais instâncias da Justiça. Isso significa que, se outra ação semelhante chegar à Corte no futuro, as conclusões do STF seguirão pela mesma linha. 

E a linha de raciocínio do Supremo, na avaliação de Lopes, deixa os trabalhadores vulneráveis. “Os ministros julgam contra os trabalhadores. É esse o problema”, afirma. 

Em fevereiro deste ano, a primeira Turma do STF  – grupo formado pelos ministros Cármen Lúcia, Luix Fux, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino – negou que um homem que fazia entregas pelo aplicativo Rappi poderia ser considerado funcionário da companhia. A decisão do STF anulou um entendimento da Justiça do Trabalho, que havia reconhecido a existência de vínculo trabalhista para o mesmo caso.

Os entregadores liderados por Lopes argumentam que as decisões da Justiça do Trabalho, que costumam ser mais favoráveis aos trabalhadores, deveriam ser respeitadas. “Os ministros do STF desconhecem a realidade do trabalho no Brasil”, diz Rodrigo, que preside  o Sindicato dos Trabalhadores, Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape).

Na esperança de chamar a atenção do STF para suas demandas, trabalhadores por aplicativos devem participar de protestos em favor da Justiça do Trabalho em ao menos 13 cidades brasileiras nesta quarta-feira (28). Em  Recife (PE), onde Lopes vive,  a manifestação está marcada para acontecer em frente ao Tribunal Regional do Trabalho.  Em São Paulo, o ato está marcado para as 13h, no Fórum Trabalhista Rui Barbosa, na Barra Funda. 

Os atos, que também contarão com a participação de advogados, juízes e procuradores do trabalho, pretendem defender a “competência constitucional da Justiça do Trabalho”. De acordo com comunicado divulgado pela Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), ao contrariar decisões tomadas pela Justiça do Trabalho, o STF contribuiria para criar sensação de “insegurança jurídica”: “O artigo 114 da Constituição da República atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar os conflitos decorrentes das relações de trabalho. O Supremo Tribunal Federal vem, no entanto, ao longo dos anos, impondo progressiva limitação à referida competência desse ramo do Judiciário”, afirma carta divulgada pela entidade e outras entidades de classe no final do ano passado. 

Lopes diz que uma das demandas do movimento de entregadores é uma audiência pública com os ministros da Corte. “Nas decisões até agora, eles disseram que é preciso reconhecer a existência de uma nova realidade de trabalho no Brasil”, diz Lopes. “Mas que realidade é essa, em que só os trabalhadores saem prejudicados”. Na opinião dele, a legislação trabalhista atual já reconhece regimes de trabalho – como o trabalho intermitente – que podem abarcar as atividades de entregadores e motoristas de aplicativos, e lhes assegurar os direitos previstos na CLT.   

Hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calcula que mais de 580 mil pessoas no Brasil trabalham por meio de aplicativos de entrega de comida e produtos, e pelo menos 2 milhões trabalham em plataformas digitais. A popularização dessas atividades também fez disparar o número de ações na Justiça questionando a atuação das empresas:  segundo dados apresentados pelo ministro Edson Fachin, há cerca de 10 mil delas. Na avaliação do ministro, uma decisão do STF que tenha repercussão geral é importante porque caberia à Corte uniformizar as discussões sobre o tema. 

Já os trabalhadores cobram que a atividade seja regulamentada. E que lhes sejam assegurados direitos trabalhistas. “Não somos empreendedores”, diz Lopes. “As empresas dizem que somos autônomos, mas não somos nós que estabelecemos o valor dos serviços que prestamos”.

Em 2023, ele participou de um Grupo de Trabalho (GT) vinculado ao ministério do Trabalho e Emprego que discutia a regulamentação das atividades mediadas por plataformas tecnológicas. O GT contou com a participação de representantes de empresas como Uber e Rappi. Foi dissolvido sem que as partes chegassem a um consenso. Lopes conta que houve avanços no que diz respeito à contribuição previdenciária – que, segundo o grupo, deve ser dividida entre trabalhador e plataforma. “Mas esbarramos na questão da remuneração pelas horas logadas”, diz ele, se referindo às horas que o trabalhador permanece conectado ao aplicativo à espera de corridas ou entregas. 

Quais os planos para os atos? 
Eles vão reunir diferentes entidades, como associações de juizes, procuradores, sindicatos. Estão marcados para acontecer em, pelo menos 13 cidades do país. Em Permambuco, ao menos 50 trabalhadores e a diretoria do Seambape vão participar do ato em frente ao Tribunal Regional do Trabalho. No caso dos entregadores, questionamos o Supremo Tribunal Federal (STF), que discute se há vínculo empregatício ou não entre trabalhadores e plataformas tecnológicas. O STF, em sua maioria, já disse que não é competência da Justiça do Trabalho definir a existência de vínculo em ações que envolvem trabalhadores por aplicativo. Acreditamos que, se as ações discutem questões trabalhistas, elas são da competência da Justiça do Trabalho. Se não frearmos isso (os posicionamentos do STF) agora, eles podem afetar outras categorias. 

O ministro Fachin disse que há mais 10 mil ações na Justiça tratando da existência de vínculo entre trabalhadores de aplicativos e as plataformas digitais. Não é saudável que o STF uniformize a discussão?
Se eles julgassem a favor dos trabalhadores, seria uma coisa. Mas eles julgam contra a classe trabalhadora. Há casos de entregadores que morreram no trabalho. Queremos uma audiência com os ministros. Uma audiência pública para que o STF nos escute. É preciso que a Corte conheça a realidade do nosso trabalho. Eles não sabem qual a nossa realidade, e suas decisões [ contrárias ao reconhecimento de vínculo] são baseadas nas teses formuladas pelos advogados das empresas. Os ministros já disseram que é preciso respeitar as novas configurações de trabalho. Mas, que configuração é essa que não dá direito  nenhum ao trabalhador ou trabalhadora? Como é que uma empresa diz que as  pessoas são autônomas, empreendedoras, se não são elas que decidem o valor dos serviços? Se não são eles que decidem o valor da corrida? Quem decide é a plataforma. E elas é que definem qual a porcentagem que vão receber por cada serviço.

Qual o cenário ideal?
As empresas dizem que os trabalhadores não querem firmar um contrato regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Mas, se não querem, é porque não conhecem as leis trabalhistas. Nossa CLT já abrange modalidades como o trabalho intermitente. Se o entregador trabalhar somente algumas horas para o aplicativo, tudo bem. O que acontece é que, cada vez mais, os trabalhadores por aplicativo são pessoas jovens. Estão com fome, precisam trabalhar. Por isso, abraçam o que vier pela frente. 

Em 2023, você participou de um Grupo de Trabalho que discutia a regulamentação dessas atividades. Houve avanços?
Chegamos a alguns acordos. Avançamos em relação à contribuição previdenciária: ele deve ser de 27,5%. Desses, 20% são pagos pelas empresas, e 7,5% pelo trabalhador. Também houve acordo quanto ao valor da hora trabalhada, de R$25,00. A conversa emperrou em relação ao valor da hora logada [ o tempo que o trabalhador permanece usando o aplicativo, à espera de uma entrega ou corrida]. Nós cobramos que essa hora logada seja remunerada, mas as empresas não querem pagar. Durante as reuniões, fiz inclusive uma provocação para os advogados das empresas. Perguntei: “se elas não pagassem pelo tempo que vocês dedicam a elas, por acaso vocês continuariam a defendê-las?”. Na realidade dos aplicativos, a pessoa fica logada 12h, 16h. Precisamos garantir que ela receba o mínimo para que a operação continue funcionando. 

 

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